DESIGUALDADES SOCIAIS, DESIGUALDADES LINGUÍSTICAS
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Desigualdades sociais, desigualdades linguísticas
Diante
da desigualdade social, há três atitudes políticas possíveis: uma
atitude conservadora, que procura manter tudo como está e estimula o
preconceito contra os menos favorecidos; uma atitude pseudoprogressista,
que valoriza a carência e trata a pobreza como virtude, como se
ignorância, subnutrição, falta de recursos, fome e desestruturação
familiar fossem um patrimônio cultural a ser preservado; e, finalmente,
uma atitude verdadeiramente progressista que, reconhecendo o problema,
procura saná-lo, atuando para que os pobres possam pouco a pouco sair da
pobreza e usufruir os mesmos bens da civilização que as elites.
Em
termos de língua, a atitude conservadora consiste em tachar aqueles que
não dominam a norma culta como ignorantes e analfabetos, exercendo
sobre eles o famoso preconceito linguístico (cerceamento do acesso a
direitos, exclusão social, chacota, etc.), mas nada fazendo para mudar a
situação. Já pseudoprogressista é afirmar que todas as variedades
linguísticas, inclusive as de menor prestígio, devem ser respeitadas e
estimuladas, que não se deve corrigir o aluno que diz "menas" ou
"pobrema", e que é legítimo que cada um fale como queira ou possa em
qualquer situação. Esse tipo de atitude se assemelha muito a certas
políticas demagógicas que, a pretexto de tirar crianças carentes de
situações de risco, as ensinam a tocar tambor ou a cantar funk (o da
favela, não o verdadeiro, dos negros americanos, bem entendido) sob a
alegação de que se trata de uma forma de inserção social e de incentivo à
cultura. Resta saber em qual sociedade essas crianças serão inseridas e
que tipo de cultura é essa que se está incentivando?
Realmente
progressista num caso como esse não seria dar às crianças a
possibilidade de aprender música de qualidade (um instrumento melódico,
partitura, solfejo)? Não seria dar-lhes a chance de ter acesso a outras
realidades (musicais, culturais e sociais) que abram sua cabeça e as
portas de uma vida mais feliz e mais plena, inclusive de oportunidades?
Infelizmente,
para certos setores que se dizem de esquerda (mas cuja ideologia de
endeusamento da miséria - principalmente da espiritual - é de fato
reacionária, já que só faz preservar a penúria), a pobreza é uma virtude
(talvez porque renda votos) e o importante é elevar a autoestima do
cidadão carente e não libertá-lo da carência.
Não
há dúvida de que os pobres merecem respeito como cidadãos e seres
humanos, mas respeitá-los em sua pobreza é uma coisa, tentar resgatá-los
dessa condição é algo bem diferente.
Que
a língua varia todos sabemos e a linguística já o provou há muito
tempo: é uma verdade científica. Que a variação linguística é
coextensiva da heterogeneidade social também já está provado. E, assim
sendo, a variedade é natural (porque pessoas diferentes não podem se
expressar de modo igual), irreprimível (pois não há como obrigar todos
os cidadãos a terem um mesmo comportamento) e benéfica para a
comunicação, já que só se pode dar conta de determinadas experiências em
certas variedades. Também é fato que a diversidade linguística é um
prato cheio para os cientistas da linguagem. Mas isso não quer dizer que
os linguistas sejam contra a escolarização e o ensino da norma culta
nas escolas - ainda que com todas as críticas que nossa gramática
normativa merece e tem recebido. Dizer que "nós foi" e "teje" é algo que
deva ser preservado e que reprimir tais usos com intuito educativo é
intolerância linguística constitui uma postura obscurantista. Assim como
o desejável não é respeitar, mas sim erradicar a pobreza, dando aos
excluídos a possibilidade de ascender socialmente por meio da educação, o
verdadeiro progressismo está em levar a todos o conhecimento das formas
mais prestigiosas da língua, até para que se possa decidir com bom
senso em que momento usá-las ou não. Do contrário, estaremos ensinando
crianças carentes a bater tambor e a gostar de funk sob a alegação de
que piano e violão são instrumentos pequeno-burgueses e de que Beethoven
e Tom Jobim representam a música das elites dominantes e opressoras. Ou
seja, em nome de um esquerdismo de salão, estaremos é sendo fascistas.
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