Refugiados e imigrantes: um desafio humanitário. Entrevista especial com Paulo Welter
18/01/2013 | IHU On-Line
"O refúgio já é muito antigo e vem acompanhado com sentimento de
dor. Pois, quando uma pessoa é forçada a deixar a sua pátria ela carrega
consigo o sentimento de dor e o desejo de regressar", aponta o irmão
jesuíta.
"No mundo globalizado jamais será possível entender a existência de
pessoas refugiadas. Falta globalizar o ser humano. Mas isso será muito
difícil, uma vez que, nesse processo de globalização, faltam valores
éticos necessários no relacionamento de respeito entre as pessoas". A
declaração é do missionário e irmão jesuíta, Paulo Welter, que durante
seis anos atuou no Serviço Jesuíta aos Refugiados, em Angola.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Welter
relata sua experiência juntos dos refugiados africanos e dos imigrantes
haitianos, no Brasil. Após retornar de Angola, o irmão jesuíta
participou do projeto Pró-Haiti, uma iniciativa dos jesuítas brasileiros
para dar apoio aos haitianos que chegam ao país. Ao avaliar essas
iniciativas, ele é enfático: "A vida é feita de desafios e buscas de
melhores condições para se viver. Para os imigrantes e refugiados, estes
desafios sempre são urgentes e quase imediatos, pois a vida está em
perigo e precisam encontrar uma solução. As organizações internacionais e
nacionais apontam como desafio a possibilidade de proporcionar soluções
duradouras e projetos que ofereçam oportunidades aos migrantes e
refugiados. Dar comida é algo imediato e, em muitos casos, é disso o que
mais necessitam tais pessoas. Mas não se pode dar comida por muito
tempo, especialmente quando a demanda é grande. Encontrar atividades e
projetos com soluções duradoras é, portanto, o grande desafio".
Paulo Welter é graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade do
Vale do Rio dos Sinos - Unisinos, assessor do projeto Pró-Haiti e de
2008 a 2011 foi diretor nacional do Serviço Jesuita aos Refugiados - SJR
-, em Angola.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como define a questão dos refugiados no mundo?
Paulo Welter - Foi a partir do início do século XX que os refugiados
no mundo receberam atenção da comunidade internacional e, por questões
humanitárias, o mundo inteiro resolveu prestar assistência e proteção.
De acordo com a legislação, os refugiados são classificados segundo a
sua origem, nacionalidade e ficaram desprovidos de proteção por parte de
seu país.
O mundo está cada vez mais globalizado e as pessoas circulam com mais
facilidade de um país para outro, ou seja, as fronteiras quase perderam
o seu sentido em relação a uma sociedade globalizada e quando pensamos
como seres humanos com os mesmos direitos em todo o mundo. Com certeza
os refugiados provocam muitas inquietudes diante da legislação em vigor
em certos países que se "protegem" impedindo e ou negando a dignidade de
vida ao seu irmão e semelhante. Pois estas pessoas apenas têm uma
opção: proteger suas vidas em outro país uma vez que o seu não mais
garante a mínima proteção e os direitos básicos de vida. Em outras
palavras, o refúgio já é muito antigo e vem acompanhado do sentimento de
dor. Isso porque, quando uma pessoa é forçada a deixar a sua pátria,
ela carrega consigo o sentimento de dor e o desejo de regressar. Muito
bem foi definido por Eurípedes, 431 a.C.: "Não tem maior dor no mundo
que a perda da sua terra natal".
IHU On-Line - Quais são as principais causas que fazem as pessoas abandonarem seus países de origem?
Paulo Welter - As principais causas são provenientes quando o Estado
não dá ou já não consegue mais dar proteção ao seu povo. Geralmente,
originados nos países por conflitos internos, tais como guerra,
perseguição política, racial, de gênero, fome e por desastre da
natureza.
IHU On-Line - Trata-se de um problema político internacional?
Paulo Welter - Nem sempre podemos dizer se tratar de um problema
político internacional, pois os países ricos e influentes no mundo
restringem a entrada de refugiados e tratam as pessoas como não
globalizadas. Eles apenas têm interesse nos lucros e nos negócios
internacionais. Normalmente, os países que "produzem" refugiados são
proprietários de riquezas naturais, tendo um governo politicamente sem
capacidade de gerir suas riquezas, seu povo, além de serem pouco
democráticos. Nesse contexto, os países influentes no mundo conseguem
dominar e explorar as riquezas dos países subdesenvolvidos ou mesmo
miseráveis. A comunidade internacional, através da ONU e de outras
organizações, vem há muitos anos desenvolvendo projetos de ajuda
humanitária. Graças a Deus que existem tais organizações.
IHU On-Line - É possível estimar a atual população de refugiados no mundo? Em quais países eles mais se concentram?
Paulo Welter - Talvez seja necessário fazer uma pesquisa sobre a
população atual de refugiados no mundo. África é o continente com mais
refugiados e deslocados internos. Depois vem a região da Síria e Ásia.
Normalmente, deslocados internos também são tratados como refugiados,
o que eleva este número. No aspecto legal e jurídico, apenas pode ser
chamado refugiado aquele que é beneficiário do Estatuto de Refugiado.
Isso porque um requerente de asilo é uma pessoa com expectativa de se
beneficiar deste documento e, certamente, é o requerente de asilo quem
mais sofre. Isso acontece devido ao fato de que ele está chegando a um
novo país e lhe falta tudo: alimentação, moradia, dignidade. Necessita
se adaptar a uma nova cultura, língua e legislação de outro país, sem
acesso à saúde e à educação dos seus filhos. Além do mais, vivendo
momentos difíceis de adaptação e muitas vezes sendo vítimas dos abusos e
desrespeito da sua dignidade. Em outras palavras, precisa ser um herói
para sobreviver.
Uma vez beneficiário do Estatuto de Refugiado, a vida começa a
melhorar por serem portadores de documentos, podendo iniciar uma vida
nova. Psicologicamente, sentem-se melhores acolhidos e, assim, se
integram no país de acolhimento. Contudo, os refugiados historicamente, e
ainda hoje, continuam sendo vistos como uma massa sobrante de pessoas
em qualquer parte do mundo. É uma verdade e uma realidade que não
podemos esconder e sim trabalhar cada vez mais para que todas as classes
sociais da sociedade tomem conhecimento, e que um dia um novo horizonte
venha a despontar na vida das pessoas refugiadas. Esperamos que um dia
tudo isso seja passageiro, mantendo viva sempre a chama do retorno ao
seu país, ou então a integração definitiva no país de acolhimento.
IHU On-Line - Como é desenvolvido o Serviço Jesuíta aos Refugiados no mundo?
Paulo Welter - O Serviço Jesuíta aos Refugiados - (JRS, a sigla em
inglês) é desenvolvido através de seu Escritório Internacional com sede
em Roma, e mais 10 Escritórios Regionais (África = 5; Ásia = 2; Europa =
1; América = 2) e com Escritórios Nacionais em 50 países.
O JRS foi fundado em novembro de 1980 pelo superior Geral dos
Jesuítas, Pe. Pedro Arrupe, como sendo uma organização internacional da
Igreja Católica. Tem como missão acompanhar, servir e defender as
pessoas deslocadas internamente, em particular os refugiados. Segue os
princípios da missão dos jesuítas no mundo de promover a justiça, o
diálogo com outras culturas e religiões.
IHU On-Line - Qual o papel das Igrejas para com os refugiados, repatriados e deslocados?
Paulo Welter - As Igrejas vêm, ao longo de muitos anos, auxiliando no
acolhimento dos refugiados e imigrantes, pois uma das maiores
dificuldades que estas pessoas enfrentam é o acolhimento, e, logo em
seguida, dificuldades de fazer os encaminhamentos junto às autoridades
do governo para conseguir seus documentos. Devido ao medo e à
insegurança, sem conhecer primeiramente ninguém, são nas Igrejas que
tais pesssoas estabelecem o primeiro vínculo de confiança.
Em suas trajetórias de fuga, alguns chegaram ao seu destino e
encontram em Deus a força e a segurança para continuar acreditar em dias
melhores. Por mais que alguém se diga ateu, na hora do perigo, se
lembra de um ser superior chamado Deus. Também as Igrejas dão muita
credibilidade, e com mais facilidade é possível promover campanhas de
ajuda. As Igrejas têm boas lideranças que se colocam à disposição para
ajudar nos serviços de acolhimento. Por parte do governo, esse processo
sempre é mais demorado, e são as Igrejas que iniciam e promovem a rede
de solidariedade.
IHU On-Line - Como o tema é abordado pela comunidade internacional? Em que países a situação dos refugiados é mais complicada?
Paulo Welter - A comunidade internacional, através da ONU e
especialmente pelo Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados -
ACNUR, trata estes temas com muita seriedade, pois afetam a segurança
mundial. Ela procura manter o controle sobre as crises humanitárias no
mundo.
Os países mais complicados no momento me parecem ser os do Oriente
Médio, como a Síria, e na África, o leste da República Democrática do
Congo, na região do Kivu Norte.
IHU On-Line - Como podemos perceber o "rótulo" de refugiado em tempos de globalização?
Paulo Welter - No mundo globalizado jamais será possível entender a
existência de pessoas refugiadas. Falta globalizar o ser humano. Mas
isso será muito difícil, uma vez que, nesse processo de globalização,
faltam valores éticos necessários no relacionamento de respeito entre as
pessoas. Parece-me ser muito difícil a globalização sem valores humanos
e sem união entre as pessoas. Assim sendo, o "rótulo" continuará nas
pessoas refugiadas, muitas vezes vistas e reconhecidas como sem valor,
como a massa sobrante da sociedade. Devemos nos preocupar em mudar este
tratamento e proporcionar aos refugiados dignidade como pessoas com
valores. Certamente eles têm muito para contribuir com seus
conhecimentos e cultura no país de acolhida. Tudo isso é um processo que
deverá constantemente ser tratado por parte das autoridades, agentes e
pessoas que se dedicam à causa dos refugiados no sentido de fazer com
que a sociedade mude o seu procedimento ou o comportamento em relação
aos refugiados, atribuindo-lhes valores. Se um dia isso acontecer,
poderíamos dizer que a humanidade e os povos estão globalizados.
IHU On-Line - Como foi sua experiência no Serviço Jesuíta aos Refugiados em Angola?
Paulo Welter - O trabalho em Angola e com o JRS foi muito marcante na
minha vida; com ele aprendi a ser mais solidário e a partilhar a vida.
Encontrei pessoas boas, próximas e amigas. Sempre fui bem tratado por
todos e pelas autoridades do governo de Angola. Em poucas palavras,
posso afirmar que foram seis anos especiais em minha. Conheci um pouco
do continente africano, sua cultura e seu povo. Guardo com muito carinho
todas as pessoas com quem partilhei a vida. Apenas sei que Angola e
África marcaram a minha vida e sou grato por esta oportunidade que tive.
IHU On-Line - Qual a atual situação dos refugiados na Angola?
Paulo Welter - Angola tem uma história muito interessante em relação
aos refugiados. Em primeiro lugar, mesmo durante os anos de guerra
civil, proporcionou acolhimento e refúgio para inúmeros africanos de
outros países, como do Congo, Ruanda, Costa do Marfim, Serra Leoa e
outros.
Outro fator positivo é que em Angola os refugiados não foram
colocados em campos de refugiados, e sim foram integrados na sociedade
angolana. Em alguns casos foram criadas comunidades de refugiados, mas
livres e abertas, sem controle, o que ocorre nos campos de refugiados.
Isso dá mais dignidade a eles e ajuda na integração no novo país.
Brasil e Angola
Com a vinda da paz definitiva em 2002, Angola está avançado muito na
questão de legislação e documentação para os refugiados, buscando
integrar os que escolhem seu território como local para refúgio. Ele tem
proporcionado acesso à saúde, à escola, à documentação. Dentro das suas
possibilidades, oferece vida digna. Em Angola a língua oficial é o
português e seu povo pode ser considerado "primo" dos brasileiros.
Brasil e Angola mantêm constante troca de experiências sobre como
melhorar a legislação e o tratamento dos refugiados. Ele é um exemplo
para muitos países africanos referente ao acolhimento e refúgio, e vem
se destacando como um país de refência em relaçãos aos refugiados no
continente africano.
O Serviço Jesuíta aos Refugiados - JRS continua a sua missão em
Angola e oferece diversas atividades de formação, educação,
microcrédito, atividades contra a violência, assessoria jurídica etc.
Todas elas são desenvolvidas em parceria com o ACNUR, com outras ONGs e
com o governo local. O JRS é considerado uma referência muito importante
para os requerentes de asilo, refugiados e autoridades.
IHU On-Line - Com seu retorno ao Brasil, como surgiu a ideia de criar o Projeto Pró-Haiti?
Paulo Welter - A criação do Projeto Pró-Haiti surgiu a partir do
grande número de imigrantes haitianos que vinha chegado a cada semana de
Tabatinga para Manaus, na Igreja São Geraldo. Esta migração se deu logo
após o terremoto em 2010, e a Pastoral do Migrante da Arquidiocese de
Manaus, sob a coordenação das irmãs scalabrinianas e dos padres
scalabrinianos da Igreja São Geraldo - auxiliados por outras
congregações religiosas e o povo amazonense -, prestou os primeiros
atendimentos de acolhimento, o que incluía principalmente alimentação e
moradia. Quero ressaltar o importante trabalho das autoridades do
governo que proporcionaram a documentação, como o CPF e a Carteira de
Trabalho. Destacaram-se a Polícia Federal e o Ministério do Trabalho.
Logo que os haitianos tinham sua documentação, muitas empresas
contrataram de imediato esta mão de obra, principalmente na construção
civil na cidade de Manaus. Em seguida despertou o interesse de muitos
empregadores de São Paulo e do sul do Brasil, que contrataram
trabalhadores haitianos.
Pró-Haiti
Como a demanda era muito grande e a Igreja São Geraldo não conseguia
vencer todos os atendimentos, os jesuítas resolveram somar forças e
criaram o projeto Pró-Haiti em fevereiro de 2012. Até esta data os
jesuítas na região amazônica não tinham quase nenhuma participação
concreta. Eu pessoalmente participava das reuniões da Pastoral do
Migrante e pouco poderia fazer de concreto por parte dos jesuítas, uma
vez que falta definir o que e como integraríamos a "rede de
solidariedade em favor dos imigrantes haitianos" na região amazônica e
Brasil.
Após uma reunião, ficou estabelecido que o Pró Haiti auxiliaria não
no acolhimento, mas sim na área profissional e no encaminhamento da
documentação junto às autoridades, oferecendo aulas de português,
assessoria jurídica, artesanato, banda de música, tradução de crioulo
para português. Este último era particularmente necessário porque poucos
haitianos falavam ou entendiam português.
Portanto, foi assim que surgiu o projeto Pró Haiti: para somar forças
e prestar um trabalho profissional e específico. A equipe é integrada
com pessoas qualificadas em atender às necessidades dos haitianos, e se
tornou um espaço de encontro e partilha dos seus sofrimentos e anseios
de vencer na vida.
IHU On-Line - Como tem sido a aceitação do projeto por parte da Igreja e que tipo de apoio tem recebido dela?
Paulo Welter - O projeto Pró-Haiti, por parte da Igreja Católica e
outras Igrejas, foi e continua sendo um projeto de respeito por conduzir
de forma profissional, ética e transparente as suas atividades e
missão. Para isso, é fundamental ter uma equipe com a devida
qualificação e que faça o trabalho com amor e compaixão, ou seja, sempre
se colocando nos sapatos do haitiano que está longe de sua terra natal e
necessita de pessoas que realmente orientem de acordo com a legislação
brasileira. A Igreja Católica, através da Caritas, dos scalabrinianos,
dos capuchinhos e de outras congregações de freiras, demostrou o melhor
carinho por este projeto.
A Igreja de Manaus proporciou apoio financeiro através da Caritas
Diocesana e dos jesuítas do sul do Brasil. O superior geral dos
Jesuítas, sediado em Roma, também proporcionou ajuda financeira.
Igualmente recebemos mais apoio de um doador espontâneo, de São Paulo, e
um de um grupo de italianos, que fizeram campanhas de roupas e enviaram
alguns valores.
IHU On-Line - Qual o significado desse trabalho para os imigrantes,
que muitas vezes chegam aqui no Brasil sem perspectivas e sofrem muita
discriminação?
Paulo Welter - Esta pergunta deveria ser respondida por algum
haitiano. Mas sei o que os haitianos partilharam no Escritório do
Pró-Haiti. Vinham e agradeciam pela assistência recebida e afirmaram
inúmeras vezes que não saberiam como seria a vida deles se não tivessem
recebido o apoio jurídico e o auxílio para o encaminhamento de seus
documentos. O Pró-Haiti se tornou um segundo lar para eles. Um lugar
para partilhar a vida e resolver os problemas de forma profissional nas
mais diversas áreas. Encontram sempre no Pró-Haiti um ombro amigo e
seguro.
IHU On-Line - Três anos depois do terremoto que atingiu o Haiti, como o senhor vê a postura do Brasil em relação aos imigrantes?
Paulo Welter - O Brasil, como mais alguns países, tem uma postura
positiva e inovadora em relação aos imigrantes haitianos, vítimas do
terremoto. O Brasil foi obrigado a atender uma demanda de imigrantes
haitianos sem a devida legislação. Os haitianos simplesmente resolveram
migrar para Brasil de diversas formas, em busca de melhores condições de
vida. Tabantinga e Manaus foram as cidades que mais receberam haitianos
no país, seguidas de Brasileia, no Acre.
O Ministério da Justiça, através do Conare, da Polícia Federal e do
Ministério do Trabalho e Emprego, encontrou uma solução importante no
sentido de proporcionar a documentação necessária para que os haitianos
vivessem e trabalhassem legalmente no Brasil; isso se deu mediante o
visto humanitário. Está decisão possibilitou a contratação de muitos
imigrantes, gerando oportunidade para eles e para as empresas.
IHU On-Line - O senhor trabalhou com os haitianos que chegaram ao
país nos últimos dois anos, através do projeto Pró-Haiti. Como ocorreu o
ingresso deles no Brasil e o que relatam sobre a atual situação do seu
país de origem?
Paulo Welter - Inicialmente, o ingresso dos imigrantes haitianos no
Brasil foi quase todo feito de forma ilegal. Mas eles se apresentaram às
autoridades solicitando o refúgio. Num primeiro momento, as autoridades
brasileiras não estavam preparadas e tampouco havia uma legislação que
orientasse a Polícia Federal como proceder. A grande dúvida era se
classificavam os haitianos como refugiados ou imigrantes.
Em janeiro de 2012, o Ministério da Justiça resolveu legalizar todos
os haitianos que estavam no Brasil, na intenção de impedir o tráfico de
pessoas através de redes organizadas internacionalmente. Mesmo assim,
continuaram entrando haitianos em Brasileia, no Acre, e Tabatinga, no
Amazonas. O Brasil novamente cedeu, em virtude da ajuda humanitária, e
legalizou estes imigrantes haitianos. Os vistos aos haitianos que
desejam migrar para o Brasil são concedidos somente pela Embaixada do
Brasil no Haiti, com um limite de 100 vistos por mês. No momento, esta
regra também já não é mais considerada, e os vistos podem ser superiores
a 100 por mês e tais adaptações se fazem necessários na legislação.
IHU On-Line - Muitos haitianos, após chegarem ao Amazonas e Acre,
imigraram para outros estados, entre eles o Rio Grande do Sul. Qual a
situação deles no estado e em que regiões estão localizados?
Paulo Welter - Os haitianos, após terem sua documentação para
trabalhar, migraram para outras regiões do Brasil. Entre estas se
destacam São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
No Rio Grande do Sul, podemos encontrar haitianos quase em todas as
cidades, graças à divulgação dos meios de comunicação, que despertaram a
sensibilidade e o interesse de empresas do sul. No estado, os haitianos
moram em Estrela, Lajeado, Encantado, Marau, Paraí. Há um bom número de
imigrantes trabalhando em diversas outras cidades da serra gaúcha, como
também em Sarandi, Igrejinha e Gravataí. É importante destacar ainda
que o Rio Grande do Sul deu um passo importante através do governo, no
sentido de criar o Fórum Permanente no final do ano de 2012, que envolve
a sociedade civil e o governo.
IHU On-Line - Quais os desafios para pensar a questão dos imigrantes e dos refugiados nos dias de hoje?
Paulo Welter - A vida é feita de desafios e buscas de melhores
condições para se viver. Para os imigrantes e refugiados estes desafios
sempre são urgentes e quase imediatos, pois a vida está em perigo e
precisam encontrar uma solução. As organizações internacionais e
nacionais apontam como desafio a possibilidade de proporcionar soluções
duradouras e projetos que ofereçam oportunidades aos migrantes e
refugiados. Dar comida é algo imediato e, em muitos casos, é disso o que
mais necessitam tais pessoas. Mas não se pode dar comida por muito
tempo, especialmente quando a demanda é grande. Encontrar atividades e
projetos com soluções duradoras é, portanto, o grande desafio.
IHU On-Line - Qual a relação entre direitos humanos e refugiados? O
que diz a legislação internacional para com as populações de refugiados e
repatriados?
Paulo Welter - Os direitos humanos e refugiados têm uma relação muito
próxima, pois a vida de seres humanos, no caso os refugiados, tem seus
princípios fundamentais violados ou ameaçados.
A legislação internacional é clara em relação aos refugiados e
repatriados. Podemos afirmar que ela foi bem elaborada. Porém, difícil é
cumprir esta legislação. Sempre se depende de muitos outros fatores não
previstos nela, tais como o afeto à sua família e à pátria, imprevistos
e novos conflitos, a questão financeira, o acesso à terra, ao trabalho,
à documentação etc. Por isso os envolvidos que trabalham diretamente
com uma população refugiada precisam ter qualificação para trabalhar de
maneira criativa, atendendo às necessidades dos refugiados e
repatriados.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Paulo Welter - Com o expressivo número de haitianos no sul do Brasil,
e a necessidade constante de renovação de seus passaportes, eles
precisam de orientações concretas sobre encaminhamentos de documentos
via consulado e ou Embaixada. É preciso defender seus direitos e
proporcionar uma vida mais digna e segura.
Na cidade de Feliz foi atropelado um haitiano que morreu na hora ao
ser atingido por um motorista brasileiro bêbado. Ele foi enterrado em
Feliz, mas quem acompanha seus dois filhos no Haiti e o processo de
crime no Brasil? Como fica tudo isso? A maioria dos haitianos homens que
está no Brasil deixou sua esposa e filhos no país de origem, e agora
desejam fazer a unificação familiar, direito previsto aos haitianos na
legislação. Todavia, não há assistência e os encaminhamentos são feitos
em São Paulo ou Brasília. Por isso, proponho que, urgentemente, seja
instalado no Rio Grande do Sul um subescritório consular do Haiti para
atender à demanda dos imigrantes que vivem aqui.
Por último, foi e continua sendo muito bom poder ajudar os imigrantes
haitianos no Brasil, e gostaria de agradecer a todas as pessoas e
empresas que ajudam, formando assim uma grande rede de solidariedade e
proporcionando dignidade ao povo haitiano.
Fonte: www.ihu.unisinos.br