Em 16 de julho de 1645, o Pe. André de Soveral e outros 70 fiéis foram cruelmente mortos por mais de 200 soldados holandeses e índios potiguares. Os fiéis participavam da missa dominical, na Capela de Nossa Senhora das Candeias, no Engenho Cunhaú – no município de Canguaretama, localizado a Zona Agreste do Rio Grande do Norte. Por seguirem a religião católica, tiveram que pagar com a própria vida o preço da fé, por causa da intolerância calvinista dos invasores.
Três meses depois, aconteceu outro martírio, onde 80 pessoas foram mortas por holandeses, entre elas, o camponês Mateus Moreira, que teve o coração arrancado pelas costas, enquanto repetia a frase “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”. Este morticínio aconteceu na Comunidade Uruaçu, em São Gonçalo do Amarante – a 18 km de Natal, litoral do RN.
Fragmentos da História dos Protomártires:
Segundo o Postulador da Causa dos Mártires, Monsenhor Francisco de Assis Pereira, em seu livro Protomártires do Brasil:
“Os holandeses chegaram à Capitania do Rio Grande, no dia 08 de dezembro de 1633. Depois da rendição pelos portugueses da Fortaleza dos Reis Magos, que defendia a entrada marítima da Cidade (de Natal) , a prinicipal preocupação dos invasores foi assumir, o quanto antes, os pontos estratégicos que garantiam a economia da região e subsistência da população.
A economia do Rio Grande do Norte era ainda bastante primitiva. Viviam os moradores das plantações de milho e mandioca, da pesca e da criaçào de gado. O rebanho do Rio Grande era calculado em 20.000 cabeças de gado. Um viajante holandês assim descreve o modo de viver do povo da capitania ocupada:
‘As pastagens são ali excelentes e os habitantes não têm outra riqueza senão o gado, com o que fazem muito dinheiro; entretanto, a maioria do povo é miserável mal tendo de que viver; pegam ali muito peixe, plantam grande quantidade de mandioca para fazer farinha e também muito milho, o que tudo é trazido aqui para Pernambuco; há igualmente abundância de caça e de frutos silvestres.’ ( Adriaen Verdonck)
Os relatórios oficiais e os cronistas holandeses sublinham a importância de estoque de carne e peixe do Rio Grande para suprir às necessidades de suas tropas, principalmente no período de guerra. Diz o relatório dos Três Altos Conselheiros:
‘Durante as revoltas dos portugueses, quando não podíamos ter acesso ao interior e nada podíamos alcançar deste, foi do Rio Grande que não somente os fortes da Paraíba, como também as outras guarnições, foram mantidos com carne e peixe.’(Relatório dos Três Altos Conselheiros)
O mesmo é dito pelo cronista Nieuhof:
‘Daí vieram os fartos abastecimentos de carne e peixe para as vossas guarnições da Paraíba e outras partes, durante a rebelião dos portugueses.’
Uma outra fonte de renda para o Rio Grande era a lavoura de cana de açúcar. Na capitania do Rio Grande havia apenas dois engenhos: o Potengi e o Cunhaú. O primeiro a ser invadido pelos holandeses foi o Potengi, por estar mais próximo de Natal. O engenho Potengi não representava muito para a economia do Rio Grande. Encravado em terras pouco férteis, já estava quase desativado, de fogo morto, como se costuma dizer. Na época da invasão, pertencia a Francisco Rodrigues Coelho que aí residia com sua família.
Com a chegada dos flamengos a Natal, vários moradores importantes da capitania se refugiaram no engenho, na esperança de que sobreviessem reforços da Paraíba e de Pernambuco. Os holandeses os perseguiram: no dia 14 de dezembro, seis dias após o desembarque em Natal, deixaram a Fortaleza dos Reis Magos em três grandes botes de vela e seguiram , Potengi acima, e depois por terra, até o engenho com a ajuda de tapuias da tribo dos Janduis, mataram Francisco Coelho, sua mulher e seis filhos, e todas as outras pessoas que ali se encontravam, em número de sessenta.
Foi este o primeiro grande morticínio perpetrado, pelos flamengos em solo potiguar. Dada, porém, a ausência de motivação religiosa, esta chacina não apresenta as característica de um verdadeiro martírio de fé.
O engenho Cunhaú, a 80 Km de Natal, construído na sesmaria dada por Jerônimo de Albuquerque, em 02 de maio de 1604, aos seus filhos Antônio e Matias, era o mais importante centro da economia do Rio Grande.
O vale do Cunhaú, onde estava situado o engenho, irrigado pelo rio do mesmo nome, constituía um imenso campo verdejante de canaviais e plantações de milho e mandioca. Toda a colheita de cana de açúcar era moída no engenho que chegou a safrejar, anualmente, de seis a sete mil arroubas de açúcar. O vale possuía também extensas áreas de criação de gado, cuja carne abastecia toda a região.
A produção de açúcar, carne e farinha era exportada para Pernambuco e Paraíba, através do Rio Cunhaú que desemboca no Oceano Atlântico. A Barra do Cunhaú era guarnecida por uma fortificação construída pelo portugueses e tonada pelo flamengos em 1634.
Por tudo isso, Cunhaú se tornou o alvo da ambição e cobiça dos holandeses na sua ânsia de dominar toda a região e controlar a sua economia. Sua posição estratégica, a meio caminho da Paraíba, fez de Cunhaú um palco de lutas sangrentas, vinganças e saques entre portugueses, índios e holandeses.
A primeira invasão de Cunhaú pelos holandeses ocorreu em 1634. O engenho que, então, pertencia a Antônio de Albuquerque Maranhão, foi confiscado e vendido ao sargento-mor Joris Gartsman e ao conselheiro político Balthasar Wintges. Posteriormente, estes o venderam a Willem Beck e Hugo Graswinckel. Quando dos acontecimentos que estamos por narrar, o engenho voltara às mãos de um português, Gonçalo de Oliveira, que adquirira por suas ligações de amizade com os holandeses.
O morticínio na Capela de Cunhaú:
Passadas as turbulências que caracterizaram o início da ocupação, a vida do engenho parecia ter voltado à normalidade. Ao redor da Capela de Nossa Senhora das Candeias, da casa-grande e do engenho, viviam pacatamente 70 modestos colonos com suas famílias. Inteiramente dedicados aos seus trabalhos na lavoura e na moagem da cana. Nada indicava qualquer alteração neste ritmo. Novas tempestades, porém, já davam sinais no horizonte.
O movimento de insurreição contra o domínio holandês já começara em Pernambuco mas, na longínqua capitania do Rio Grande tudo parecia normal. Bastou, porém, a presença de uma só pessoa para que o clima se tornasse tenso: Jacó Rabe, um alemão a serviço dos holandeses, chegara repentinamente a Cunhaú, no dia 15 de julho de 1645.
Rabe era um personagem por demais conhecido dos moradores de Cunhaú. Freqüentes eram aquelas incursões por aquelas paragens, sempre acomoanhado de seus amigos e liderados, os ferozes tapuias, semeando por toda parte ódio e destruição. A simples presença de Rabe e dos tapuias já constituía motivo suficiente para suspeitas e temores.
Além dos tapuias, Jacó Rabe trazia, desta vez, consigo alguns potiguares com o chefe Jererera e soldados holandeses, uma vez que se apresentava em missão oficial, dizendo-se portador de uma mensagem do Supremo Conselho Holandês, do Recife aos moradores de Cunhaú.
No dia seguinte, 16 de julho, um Domingo, aproveitando a presença de um grande número de colonos na igreja, para a missa dominical celebrada pelo Pároco Pe. André de Soveral, Jacó Rabe mandara afixar nas portas da igreja um edital, convocando a todos para ouvirem as Ordens do Supremo Conselho, que seriam dadas após a missa.
Muitos compareceram, mas uma chuva torrencial, providencialmente caída naquela manhã, impediu que o número fosse maior. (...)
Como havia um certo receio pela presença de Jacó Rabe alguns preferiram ficar esperando na casa de engenho.
Chegou a hora da missa. Os fiéis, em grupos de familiares ou de amigos, se dirigiram à igrejinha de Nossa Senhora das Candeias. Levados apenas pelo preceito de cumprir o preceito religioso, evidentemente não portavam armas, proibidas pelas autoridades holandesas, mas só alguns bastões que encostaram nas paredes do pórtico.
O Pe. André inicia a celebração. Após a elevação da hóstia e do cálice, erguendo o Corpo do Senhor, para a adoração dos presentes, a um sinal de Jacó Rabe, foram fechadas todas as portas da Igreja e se deu início à terrível carnificina.
Foram cenas de grande atrocidade: os fiéis em oração, tomados de surpresa e completamente indefesos, foram covardemente atacados e mortos pelo flamengos com a ajuda dos tapuias e potiguares.
Ao perceber que iam ser mesmo sacrificados, os fiéis não se rebelaram. Ao contrário, ‘entre mortais ânsias se confessaram ao sumo sacerdote Jesus Cristo Senhor Nosso, pedindo-lhe cada qual, com grande contrição perdão de suas culpas”, enquanto o Pe. André estava ‘exortando-os a bem morrer, rezando apressadamente o ofício da agonia”.
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