quarta-feira, 3 de outubro de 2012


Prosperidade com ou sem crescimento

01/10/2012


A crise ecológico-social que se espraia em todos os países está nos obrigando a repensar o crescimento e o desenvolvimento como ocorreu na Rio+20. Sentimos empiricamente os limites da Terra. Os modelos até agora vigentes se mostram insustentáveis.
Por esta razão, muitos analistas afirmam: os países desenvolvidos devem superar o fetiche do desenvolvimento/crescimento sustentável  a todo custo. Eles não o precisam porque conseguiram praticamente todo o necessário para uma vida decente e liberta de necessidades. Para eles, no lugar do crescimento/desenvolvimento cabe cobrar uma visão ecológico-social: a prosperidade sem crescimento (melhorar a qualidade de vida, a educação, os bens intangíveis). Ao contrário, os países pobres e emergentes precisam de prosperidade com crescimento. Eles tem a urgência de crescer materialmente para satisfazer as necessidades de suas populações empobrecidas (80% da humanidade).
Não é mais sensato perseguir o propósito central do pensamento econômico industrialista/capitalista/consumista que se perguntava: como ganhar mais? Ele supunha a dominação da natureza em vista do benefício econômico.
Agora face à realidade mundial mudada, a questão é outra: como produzir, respeitando os limites natureza, os seres vivos, os humanos e abrindo-se ao Transcendente?
Na resposta a esta questão se decide se há prosperidade sem crescimento para os países desenvolvidos e prosperidade com crescimento para os pobres e emergentes.
Para compreendermos melhor esta equação é ilustrativo distinguir quatro tipos de capital: o natural, o material, o humano e o espiritual. É na articulação destes quatro que se gera a prosperidade com ou sem crescimento. O capital natural  é formado pelos bens e serviços que a natureza gratuitamente oferece. O capital material é aquele construído pelo  trabalho humano. O vigente foi alcançado, geralmente, sob condições de exploração da força de trabalho e de degradação da natureza. O capital humano é constituído pela cultura, as artes, as visões de mundo, a cooperação, realidades pertencentes à essência da vida humana. Aqui importa reconhecer que o capital material submeteu o capital humano a constrangimentos pois fez dos bens culturais também mercadoria. Como denunciou recentemente Davi Yanomami, xamã e cacique, num livro lançado na França sob o titulo A Queda do céu: “vocês  brancos, são o  povo da mercadoria, o  povo  que não escuta a natureza porque só se interessa por vantagens econômicas”(veja o site desinformemonos.org).
O mesmo se deve dizer do capital espiritual. Ele pertence também à natureza do ser humano que se pergunta pelo sentido da vida e do universo, o que podemos esperar para além da morte, os valores de excelência como o amor, a amizade, a compaixão e a abertura ao Transcendente. Mas devido a predominância do material, o espiritual se encontra anêmico e não pôde ainda mostrar toda sua capacidade de transformação e de criação de equilíbrio e de sustentabilidade.
O desafio que se apresenta hoje é: como passar do  capital material  ao capital humano e espiritual? Logicamente, o humano e o espiritual não dispensam o capital material. Precisamos de certo crescimento para garantir minimamente a subsistência material da vida. Um cadáver não pensa nem reza.
No entanto, não podemos nos restringir ao crescimento com prosperidade porque ele não é um fim em si mesmo. Ele se ordena ao desenvolvimento integral  do ser humano.
Modernamente, foi Amartya Sen, indiano e prêmio Nobel de economia de 1998, quem melhor nos ajudou  a compreender o que seja o desenvolvimento integral, capaz de ser sustentável e trazer prosperidade. O título de seu livro já define a tese central: Desenvolvimento como liberdade (Companhia das Letras 2001). Ele se coloca no coração do capital humano ao definir o desenvolvimento como “o processo de expansão das liberdades substantivas das pessoas”(p. 336), as de modelar o seu destino, as de definir sua profissão, as de atender seus anseios fundamentais de reconhecimento e dignidade e outras.
O brasileiro Marcos Arruda, economista e educador, apresentou também um projeto de educação transformadora a partir da práxis e como exercício democrático de todas as liberdades (veja Educação para uma economia do amor: educação da práxis e economia solidária, Idéias e Letras 2009).
Não se trata apenas de atender à nutrição e à saúde, condições de base para qualquer prosperidade  mas o decisivo reside em  transformar o ser humano. Para Amarthya Sen e para Arruda são fundamentais para isso a educação e a democracia participativa. A educação não para ser sequestrada como um item de mercado (professionalização), mas como a forma de fazer desabrochar e desenvolver  as potencialidades e capacidades do ser humano, cuja “vocação ontológica e histórica é ser mais.. o que implica um superar-se, um ir além de si mesmo, um ativar os potenciais latentes em seu ser” (Arruda, Educação para uma economia do amor,103).
Crescimento/desenvolvimento que visam a prosperidade significam então a ampliação das oportunidades de modelar a vida e dar-lhe um rumo. O ser humano se descobre um ser utópico vale dizer, um ser sempre em construção, habitado por um sem número de potencialidades. Criar as condições para que elas possam vir à tona e sejam implementadas, eis o propósito do desenvolvimento humano como prosperidade.
Trata-se de humanizar o humano. A serviço deste propósito estão os valores ético-espirituais, as ciências, as tecnologias e nossos modos de produção.  A forma política mais adequada para propiciar o desenvolvimento humano sustentável e próspero é, segundo Sen e Arruda, junto com a educação, a democracia participativa. Todos devem sentir-se incluídos para, juntos, construir o bem comum.
Esse capital humano e espiritual quanto mais se usa mais cresce, ao  contrario do capital material que quanto mais se usa mais decresce. A crise atual nos convida a ir nesta direção.
*Leonardo Boff é teólogo e filósofo e autor de Sustentabilidade: que é e o que não é, Vozes  2012.

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