As primeiras imagens de Tropicália, documentário
de Marcelo Machado, mostram Caetano Veloso, em 1969, num programa da
televisão portuguesa, afirmando que o movimento do tropicalismo tinha
acabado. Ele e Gilberto Gil estavam a caminho do exílio, em Londres,
depois de passarem pela prisão e pelo confinamento impostos pela
ditadura militar. Diante de tal violência e cerceamento à criação
artística, tomaram, a contragosto, o caminho possível da sobrevivência.
Não fazia mais sentido algum continuar fora do país um movimento surgido
num caldo cultural brasileiro. Significa dizer que o Tropicalismo foi
também vítima da ditadura militar. O filme faz uma espécie de
recomposição histórica, tentando estabelecer conexões entre a quebra de
padrões musicais, promovida pelos baianos, em São Paulo, de 1967 ao
final de 1968, e o contexto político e cultural daqueles anos. O sentido
das imagens de arquivo e os depoimentos são uma evidente evocação à
Semana de Arte Moderna de 1922. Marcelo Machado constrói seu discurso
cinematográfico através de parâmetros alusivos a outros momentos da
história cultural brasileira onde a ruptura foi o procedimento inovador.
O foco é certamente São Paulo, e, de algum modo, fica implícito que o
tropicalismo está associado à capital industrial brasileira.
Já as últimas cenas do filme são imagens de arquivo que registraram o
retorno do exílio dos baianos à terra natal e a festa em sua homenagem. O
mais interessante desse momento da narrativa é a forma com que Caetano e
Gil olham essas imagens do passado e cantarolam as próprias melodias. O
sentimento não é de nostalgia. Expressam uma jubilosa e verdadeira
alegria. A conjugação entre passado e presente não carrega qualquer tipo
de ônus ou ressentimento, culpas ou denúncias políticas. Apenas
celebram o momento vivido. É o prazer e o gosto de ser no mundo. Se algo
justifica o filme de Marcelo Machado é essa capacidade de tornar o
passado presente, sem culpas ou determinações históricas. O vivido vale
em si. O que se vai viver bebe no vivido, sem antolhos. Essa liberdade é
o leitmotiv do documentário. O que talvez destoe um pouco é a forma
¨moderninha¨ de sua narrativa. Intervenções nas imagens de época, alguns
efeitos digitais e sonoros, enfim, o uso das tecnologias contemporâneas
nem sempre se somam à expressividade da linguagem. Viram adornos que
distraem do essencial. Não se trata de cobrir eventuais deficiências das
imagens originais. É mesmo uma tentativa de estilo, válida em si, mas
pouco eficiente na forma de narrar. O contraponto das imagens de Caetano
e Gil que vêem o que não vemos, mas ouvem o que ouvimos, diz tudo
daquele sentimento impresso na imagem. A natureza do cinema é mesmo a
sua verdade de que a imagem imanta de forma encantatória. Quando isso
ocorre, todo o resto é dispensável. Apesar desse apelo estilístico um
tanto errático, o filme consegue uma eficiente comunicação com o seu
público.
Tropicália é assim um documentário musical, moda que parece estar em
voga, que nos remete ao tempo presente, embora falando do passado.
* Professor da PUC-Rio e crítico de cinema (fonte: Arq. do RJ)
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