sábado, 13 de outubro de 2012

“Tropicália”: O passado no presente
12/10/2012
Miguel Pereira*





As primeiras imagens de Tropicália, documentário de Marcelo Machado, mostram Caetano Veloso, em 1969, num programa da televisão portuguesa, afirmando que o movimento do tropicalismo tinha acabado. Ele e Gilberto Gil estavam a caminho do exílio, em Londres, depois de passarem pela prisão e pelo confinamento impostos pela ditadura militar. Diante de tal violência e cerceamento à criação artística, tomaram, a contragosto, o caminho possível da sobrevivência. Não fazia mais sentido algum continuar fora do país um movimento surgido num caldo cultural brasileiro. Significa dizer que o Tropicalismo foi também vítima da ditadura militar. O filme faz uma espécie de recomposição histórica, tentando estabelecer conexões entre a quebra de padrões musicais, promovida pelos baianos, em São Paulo, de 1967 ao final de 1968, e o contexto político e cultural daqueles anos. O sentido das imagens de arquivo e os depoimentos são uma evidente evocação à Semana de Arte Moderna de 1922. Marcelo Machado constrói seu discurso cinematográfico através de parâmetros alusivos a outros momentos da história cultural brasileira onde a ruptura foi o procedimento inovador. O foco é certamente São Paulo, e, de algum modo, fica implícito que o tropicalismo está associado à capital industrial brasileira.

Já as últimas cenas do filme são imagens de arquivo que registraram o retorno do exílio dos baianos à terra natal e a festa em sua homenagem. O mais interessante desse momento da narrativa é a forma com que Caetano e Gil olham essas imagens do passado e cantarolam as próprias melodias. O sentimento não é de nostalgia. Expressam uma jubilosa e verdadeira alegria. A conjugação entre passado e presente não carrega qualquer tipo de ônus ou ressentimento, culpas ou denúncias políticas. Apenas celebram o momento vivido. É o prazer e o gosto de ser no mundo. Se algo justifica o filme de Marcelo Machado é essa capacidade de tornar o passado presente, sem culpas ou determinações históricas. O vivido vale em si. O que se vai viver bebe no vivido, sem antolhos. Essa liberdade é o leitmotiv do documentário. O que talvez destoe um pouco é a forma ¨moderninha¨ de sua narrativa. Intervenções nas imagens de época, alguns efeitos digitais e sonoros, enfim, o uso das tecnologias contemporâneas nem sempre se somam à expressividade da linguagem. Viram adornos que distraem do essencial. Não se trata de cobrir eventuais deficiências das imagens originais. É mesmo uma tentativa de estilo, válida em si, mas pouco eficiente na forma de narrar. O contraponto das imagens de Caetano e Gil que vêem o que não vemos, mas ouvem o que ouvimos, diz tudo daquele sentimento impresso na imagem. A natureza do cinema é mesmo a sua verdade de que a imagem imanta de forma encantatória. Quando isso ocorre, todo o resto é dispensável. Apesar desse apelo estilístico um tanto errático, o filme consegue uma eficiente comunicação com o seu público.

Tropicália é assim um documentário musical, moda que parece estar em voga, que nos remete ao tempo presente, embora falando do passado.

* Professor da PUC-Rio e crítico de cinema (fonte: Arq. do RJ)

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