Eleições 2012: Votar limpo | ||
Por Ivonete Kurten, fsp FC – Está mais do que provado que o povo brasileiro gosta de votar. Mas por que é importante participar de um processo eleitoral? Chico Whitaker – Ser cidadão significa ter direitos e deveres na sociedade de que se faz parte. A política é a luta por esses direitos e o exercício desses deveres. Mas há direitos que implicam em deveres. Temos o direito de escolher quem deve assumir a responsabilidade de cuidar dos recursos públicos e do atendimento das necessidades sociais; mas por isso mesmo temos o dever de participar dessa escolha, isto é, de votar nas eleições em que essas pessoas são escolhidas. Como, por outro lado, numa democracia ninguém pode assumir a responsabilidade de cuidar de recursos públicos se não tiver sido eleito para isso, todo o poder que se adquire depois de eleito depende inteiramente da escolha que é feita pelos eleitores. Esse direito e esse dever dos cidadãos, como eleitores, lhes dão, portanto, um poder político enorme. Quantos brasileiros têm consciência disso?Conhecem seus direitos e deveres? FC – Percebemos que a corrupção muda de partido e, quando esse partido ocupa o poder, o esquema da corrupção volta a funcionar. O povo acredita no poder do voto para promover alguma mudança? Chico Whitaker – A corrupção é a apropriação privada de recursos públicos. Como todo poder político implica em administrar recursos públicos, quem só pensa em ficar rico sonha em ganhar poder político, para se apropriar desses recursos. Se o povo soubesse todo o poder que vem para suas mãos numa eleição – em que se escolhe quem vai ter poder político –, procuraria usar melhor esse poder: elegendo pessoas que usem seu poder político eticamente, isto é, visando o atendimento das necessidades de seus concidadãos e não seu próprio enriquecimento. Muitos cidadãos brasileiros estão descobrindo a necessidade de se ter ética na política. Mas há ainda uma longa caminhada pela frente, para que muito mais gente acredite que o voto é uma arma poderosa para que todos os eleitos sejam cidadãos guiados pela ética. FC – Como é a relação entre eleitor e candidato nas eleições? E depois das eleições? Chico Whitaker – O candidato teria que dizer ao eleitor o que pretende fazer como representante desse eleitor cujo voto ele pede. E o eleitor teria que questionar o candidato sobre suas verdadeiras intenções se for investido do poder político que o eleitor lhe dará. Depois das eleições, o candidato eleito teria que prestar contas ao seu eleitor sobre o que está podendo fazer, aquilo que propôs fazer quando candidato. E seu eleitor teria que cobrar dele o cumprimento do que disse que ia fazer, controlando sua atuação, mas também o ajudando se necessário. A que distância disso tudo ainda estamos no Brasil... Mas se vai avançando, como quando se fez a campanha contra a corrupção eleitoral, com a mensagem “voto não tem preço, tem consequências”. E a Lei 9.840/99, que resultou dessa campanha, já afastou um grande número de candidatos (mais de mil, em dez anos) que procuravam enganar os eleitores comprando os seus votos. FC – Hoje a sociedade conta com um instrumento capaz de garantir uma eleição mais justa, sem compra de votos. As pessoas conhecem a Lei da Ficha Limpa e sua importância? Chico Whitaker – A Lei 9.840/99 era exatamente contra a compra de votos. Ela não ficou tão conhecida, mas preparou o caminho para a Lei da Ficha Limpa, que veio dez anos depois. Esta ficou muito mais conhecida e hoje em dia as regras que ela estabelece – que impedem candidaturas de pessoas condenadas por um colégio de juízes – estão sendo adotadas também para o preenchimento de cargos que não dependem de eleição, mas só de nomeação. FC – A ministra Cármen Lúcia, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afirmou que “o foco da Lei da Ficha Limpa deve ser o cidadão, porque é ele quem vota e é o autor da sua história”. O que fazer para garantir isso? Chico Whitaker – Temos que aumentar a consciência do cidadão sobre o poder que vai para suas mãos no momento de eleição. E divulgar cada vez mais a existência de regras como as da Lei 9.840/99 e dos impedimentos que existem, através da Lei da Ficha Limpa, para que não se apresentem às eleições candidatos sem condições éticas para exercer a representação política. Esse é o trabalho a ser desenvolvido por todos os meios, na época de eleições, como está fazendo, por exemplo, a Revista Família Cristã em matérias como esta. O resto é por conta do cidadão, na hora de exercer seu dever de votar, mas também durante as campanhas, alertando seus concidadãos sobre a história dos candidatos que não merecem confiança. FC – Muitos casos de venda de votos ocorrem em troca de consultas, dentaduras... Não é uma situação delicada aplicar a lei quando o corruptor atinge as necessidades do cidadão, impotente diante da realidade? Chico Whitaker – Muitos vendem seu voto porque não acreditam que seus problemas serão resolvidos pelos candidatos ou mesmo pelos governos que esses candidatos vão apoiar. Então decidem “arrancar” deles pelo menos alguma coisa, no momento em que dependem inteiramente dos eleitores. Mas se “voto não tem preço, tem consequências”, estas serão piores se continuarem a ser eleitas pessoas interessadas somente em encher seus bolsos com dinheiro público. Mas como as dificuldades dos extremamente pobres podem ser de fato muito grandes, a Lei 9.840/99 só pune mesmo o candidato que tenta comprar votos. Porque quem compra votos se aproveitando das carências das pessoas é mais do que malicioso, é cruel. Para ele é importante que os pobres continuem pobres e até miseráveis, e que o governo não faça nada por eles, porque assim pode contar com um “exército eleitoral de reserva” a ser comprado nas eleições. FC – Como os cidadãos podem ajudar o TSE a aplicar a lei? Chico Whitaker – Qualquer cidadão pode falar com o promotor de sua comarca, levando-lhe fatos e denúncias, e depois ajudando o promotor a cumprir com seu dever – inclusive acompanhando todo o processo, que começa no âmbito da comarca, mas pode ir até o TSE, no âmbito federal. Mas é melhor fazer isso não sozinho, mas criando grupos de cidadãos dispostos a fiscalizar as campanhas e eleições. Para ajudar nisso existem os Comitês 9.840 pelo Brasil afora, interligados pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – www.mcce.org.br. FC – Existe um projeto para agilizar as investigações de corrupção eleitoral? Chico Whitaker – A Justiça Eleitoral é um ramo do Poder Judiciário que funciona muito mais rapidamente do que a Justiça comum, tradicionalmente lenta. Os processos relativos à compra de votos de fato precisam de provas, e estas dependem dos cidadãos as apresentarem aos promotores e estes as apresentarem aos juízes. E os recursos dos candidatos costumam chegar até o TSE, podendo, portanto, demorar.Mas em geral terminam antes do término do mandato do que foi eleito comprando votos. Quanto à Ficha Limpa, ela não depende de provas.Depende de existirem condenações ou não.E cabe aos promotores impugnarem candidaturas de pessoas já condenadas.Isto está nos registros da Justiça. Tudo depende de contarmos com promotores eficientes. Mas os eleitores podem levar a eles dados de que não tiveram conhecimento. Ou pressioná-los para de fato apresentarem a impugnação. FC – O que significa para o País a eleição municipal? É importante o voto limpo nessa eleição? Chico Whitaker – A função do vereador é muito importante, embora não pareça porque ele tende a ser um mero despachante. Mas é ele quem legisla no âmbito municipal, e o prefeito não pode mexer uma palha sem uma lei que o autorize a agir. Mas a eleição municipal pode constituir a base da pirâmide da corrupção. A corrupção no âmbito federal se apoia nos deputados estaduais e governadores dos estados, e estes nos vereadores e prefeitos. Trata-se de uma verdadeira “máquina eleitoral”, que mantém os de sempre no poder.Como sempre, a responsabilidade é nossa, dos cidadãos, se deixarmos que essa máquina funcione dessa forma. FC – O que o senhor diz ao cidadão brasileiro que se prepara para ir às urnas eleitorais em outubro? Chico Whitaker – Vote no que lhe parece que vai ser o melhor prefeito. Mas pense, por favor, mais do que duas vezes antes de votar num candidato a vereador. Procure saber a história dos candidatos, o que vão fazer. Procure questioná-los. Junte-se com outros para fazer tudo isso. E não venda de forma alguma seu voto: “Voto não tem preço, tem consequências”. *Entrevista publicada na edição impressa de setembro da Revista Família Cristã. |
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10/09/2012 - 11:00 Entrevista |
segunda-feira, 17 de setembro de 2012
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