domingo, 23 de setembro de 2012

Escola e comunidade:
uma interação necessária

O que pode ser feito para melhorar a interação escola-comunidade? Neste artigo, Nelson Piletti propõe ações de intercâmbio entre as duas partes, como a criação de bancos de dados socioculturais.
Por Nelson Piletti*
Escola e comunidade. Foto por ppdigital/MorgueFile
Como podem os profissionais da educação bem desempenhar o seu trabalho se não conhecem a comunidade onde o estabelecimento de ensino em que atuam está localizado? Como pode a escola atingir os objetivos constitucionais da educação – pleno desenvolvimento da pessoa, preparação para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho – se desconhece as condições de vida e as aspirações da comunidade onde vivem os seus alunos?
O conhecimento da comunidade assume importância ainda maior quando os profissionais da educação não residem no bairro em que atuam. Muitas vezes, eles se dirigem à escola, executam as suas tarefas e voltam para casa sem se preocupar, ao menos, em percorrer as ruas onde moram os alunos – quem dirá visitar as suas casas! – para ter um contato, mínimo que seja, com a realidade local.
Décadas atrás, após desenvolver experiências teatrais em comunidades cariocas, o educador Antonio Leal assumiu uma turma de alunos reprovados em certa escola da favela da Rocinha. Em seu famoso livro Fala Maria Favela: uma experiência criativa em alfabetização, ele relata o que viu ao entrar na sala de aula:
“Das janelas em forma de venezianas, com muitos vidros quebrados, via-se o interior das casas montadas no barranco: aparelhos de televisão, sofás de napa, imagens de são Jorge e são Sebastião etc. Sempre muitas crianças brincando, soltando pipa, brigas e discussões de marido e mulher, homens construindo novos barracos, enfim a vida da favela entrando pela janela da sala. Assim deve ser na escola (…). [Enc ontra-se, no entanto] a sala sempre igual: carteiras individuais, a mesa do professor e o quadro negro” (São Paulo: Editora Ática, 1993, 12ª ed.).
Duas perguntas importantes são suscitadas pelo relato: de modo geral, qual o estado em que se encontram as relações entre as nossas escolas e a comunidade? O que, concretamente, pode ser feito para melhorar a interação escola-comunidade?
A questão é tão importante para a melhoria do desempenho escolar de alunos e professores que se torna fundamental organizar, em cada estabelecimento de ensino, um Serviço de Intercâmbio Escola-Comunidade, com representantes da escola (professores, alunos, funcionários) e da comunidade (pais, associação de moradores, organizações sociais etc.).
A primeira tarefa desse serviço seria organizar um banco de dados com o maior número possível de informações (de diversas naturezas) sobre a comunidade, abrangendo:
  • Condições materiais: situação das ruas, iluminação pública, saneamento básico, moradia, alimentação, trabalho, salários, desemprego, água tratada, entre outros;
  • Condições sociais: assistência médica, educação, acesso escolar, assistência à infância e aos idosos etc;
  • Condições culturais: espaços para eventos artísticos, de lazer, atividades de fim de semana e demais ações do gênero;
  • Condições familiares: tipos de arranjos familiares, número de pessoas na mesma casa. E assim por diante.
Tais informações poderiam ser enriquecidas com um acervo fotográfico que, exposto na escola – na sala dos professores, por exemplo –, lembrassem sempre os educadores das características da comunidade e dos alunos com os quais atuam.
Como segunda tarefa importante, caberia ao serviço de intercâmbio promover atividades que facilitassem a interação entre a escola e a comunidade, tanto no sentido escola-comunidade, quanto no sentido comunidade-escola, entre as quais estariam visitas às famílias (especialmente dos alunos com maiores dificuldades), saídas dos alunos para melhor conhecerem a sua comunidade, atividades culturais e recreativas nos finais de semana (abertas à comunidade), organização de eventos nas dependências da escola, enfim, um grande leque de possibilidades.
É fundamental, porém, que todas essas atividades de interação entre escola e comunidade caminhem ao encontro daquela que é a atividade-fim do estabelecimento de ensino: a educação. Assim, com base nas informações coletadas e nas atividades de intercâmbio promovidas, caberá à escola desenvolver um processo de ensino e uma programação cultural ampla, ambas iniciativas embasadas nas necessidades e aspirações da comunidade – portanto, condizentes com a realidade cotidiana.
Dessa forma, os conhecimentos transmitidos pela escola assumirão uma “roupagem local” (linguagem, exemplos, atividades, eventos culturais), aumentarão o interesse dos alunos pela escola e, certamente, também a eficiência e a eficácia do processo de ensino e aprendizagem.
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*Nelson Piletti é graduado em Filosofia, Jornalismo e Pedagogia. Mestre, doutor, livre-docente em Educação (USP) e professor aposentado da Faculdade de Educação (USP), publicou dezenas de livros didáticos, paradidáticos e acadêmicos nas áreas de Educação e História, entre os quais Sociologia da educação: do positivismo aos estudos culturais (Editora Ática, 2010), em coautoria com Walter Praxedes.

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