domingo, 6 de janeiro de 2013

Marcelo Barros

Há dias, Juliana, uma jovem amiga da Universidade da Paraíba, consagrada a organizar ali um fórum sobre diversidade religiosa, me pediu uma reflexão sobre a "inteligência espiritual". Embora, tivesse lido alguma coisa sobre isso, não havia ainda me detido sobre esse fenômeno que é antropológico e independente do sentimento religioso. 
Desde que Howard Gardner demonstrou que a inteligência humana é muito diversificada e fez o mapa das “múltiplas inteligências”, as pessoas descobriram a importância da “inteligência emocional”. Até hoje, o livro de Daniel Goleman faz sucesso em muitos países. O que talvez seja mais novo e agora nesse inicio de 2013 mereça especialmente nossa atenção é o que, em muitos círculos, tem sido chamado de inteligência espiritual, ou transcendente. O psiquiatra Robert Cloninger, estranho ao mundo religioso, a chama de “capacidade de auto-transcendência”. Victor Frankl, criador da logoterapia existencial, afirma que a auto-transcendência dá ao ser humano a possibilidade de superar barreiras e a buscar o que está oculto para além dos limites do seu conhecimento. A auto-transcendência pode levar a pessoa a superar a si mesma de forma inesperada e surpreendente. Isso foi demonstrado por prisioneiros judeus e cristãos, como também por comunistas ateus, nos campos de concentração do nazismo e das ditaduras militares latino-americanas. Essa inteligência espiritual pode unir-se a uma dimensão de fé e de pertença religiosa, mas é sobretudo um elemento antropológico. É a capacidade do ser humano ser livre, isso é, transcender os limites, sejam biológicos, sejam intelectuais e viver uma relação de identidade profunda consigo mesmo, ou seja, com sua essência mais íntima, com o outro, visto como mistério e sujeito de amor e com o cosmos. É, então, a inteligência espiritual que nos faz viver o anseio por uma vida plena. A busca de sentido é uma característica humana. Samuel, meu sobrinho, quando tinha três ou quatro anos, mal aprendeu a falar, já perguntava, dia e noite às pessoas com as quais convivia, o porquê de tudo e de cada coisa. Por que?  Por que? Por que?
A inteligência espiritual organiza as respostas possíveis às perguntas sobre o sentido da vida e os mistérios das coisas. A inteligência espiritual tem início quando se supera o nível das aparências e se busca as raízes mais profundas. Ela leva a pessoa a se maravilhar e encontrar beleza e sentido nas pequenas coisas do dia a dia, a ser capaz de gratidão, a desenvolver a gentileza e a delicadeza com os outros e consigo. No caso de uma opção de fé, a pessoa sente-se em comunhão com a comunidade dispersa de todos os que buscam e começa a conviver com uma presença misteriosa, mas muito real, no mais profundo do seu ser, no mais íntimo das outras pessoas e no coração do universo. Esse mistério de amor está em nós, como algo que, como disse Santo Agostinho, é mais íntimo a mim do que eu mesmo. Por outro lado, não é apenas uma dimensão do meu próprio ser e de alguma forma me transcende. Por isso, eu o encontro no outro e o outro pode encontrá-lo em mim, melhor do que eu mesmo o consigo. É isso que as tradições espirituais antigas chamaram Deus e, segundo a fé cristã, Jesus Cristo veio nos revelar e nos ensinar a viver profundamente mergulhados nele.
Não é fácil viver esse caminho de aprofundamento interior e de desenvolvimento da inteligência espiritual em uma sociedade que banaliza tudo e vende a dispersão como supérfluo para nos acomodar e nos distrair da busca mais profunda que nos alimenta a paixão pela vida e a compaixão. Pessoalmente, estou convencido que ninguém vive esse caminho sozinho ou sem apoio de outro. E por isso é importante nos ligarmos mais e exercitarmos sempre e cada vez mais o diálogo como instrumento da inteligência espiritual.

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