quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Onde dormirão os pobres?

Publicado por Jblibanio em 13/5/2012 (165 leituras)
ONDE DORMIRÃO OS POBRES (Êxodo 22, 26)?
(Carta para a Folha de São Paulo)

A Igreja defrontou-se sempre com o binômio imagem e realidade. As análises sociológicas e críticas ajudam-na a perceber a defasagem entre ambas. “Requiem para a libertação” de Otávio Frias Filho prestou-lhe esse serviço, não desvendando-lhe a essência - papel da teologia -, mas retratando-lhe o rosto.
O autor percebeu bem o deslocamento de uma figura de Igreja da libertação, que marcou presença nas escuras décadas da repressão até o heroísmo de seus mártires, para uma Igreja festiva da visibilidade mediática.
A Igreja da libertação revelara naqueles momentos a força germinal da fé. Iluminou-lhe a teologia da libertação. Não era “materialista”, nem se confinara a uma sociologia coletivista, mas recuperara a dimensão ética inegociável do Cristianismo. Rompera, sim, a barreira dualista entre dimensão espiritual e material da existência, como o próprio mistério da Encarnação - fazer-se carne - do Verbo Divino - espírito - realisticamente revela.
A dimensão religiosa humana não se identifica com o coração da fé cristã. Os efeitos espiritualistas, estimulados por instrumentos da técnica mediática, não são experiências cristãs sem mais. Estas são indissociáveis do compromisso sério e conseqüente com os pobres na linha do seguimento de Cristo. A Lei Antiga, que o Cristianismo assumiu, mostra-nos Deus ouvindo o clamor do estrangeiro, da viúva, do órfão, do pobre (Ex 20, 20-26). Javé se preocupa pelo “onde dormirão os pobres”. Essa exigência ética e teologal fez a preocupação e a ocupação da teologia da libertação. Nenhum papa pode dizimá-la, porque iria contra o cerne da fé bíblico-cristã.
A Igreja da libertação pôde ter descuidado outras dimensões humanas da afetividade e da festa, hoje em voga. Isso não significa sua morte. É momento de rever os pontos em que falhou e integrar no seu seio a alegria, o gozo da oração e da festa, sem abrir mão em nada da seriedade de seu engajamento com os pobres. Aí está o seu futuro.     J. B. Libanio

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