terça-feira, 4 de setembro de 2012

Legado do Concílio
26/01/2011
Cardeal Eugenio de Araujo Sales - Arcebispo Emérito da Arquidiocese do Rio de JaneiroA+a-ImprimirAdicione aos FavoritosRSSEnvie para um amigo
Há cinco décadas realizou-se o Concílio Ecumênico Vaticano II. Fica a interrogação: qual o seu legado? Suas diretrizes estão sendo postas em prática?

Em comentário anterior, buscamos ver o relacionamento Igreja-mundo. Hoje, os frutos, no interior da própria obra instituída por Cristo.

Sem modificar absolutamente nada do que constitui sua identidade – nem podia ser de outra forma! – foram introduzidas alterações de grande e benéfica repercussão na vida dos fiéis. Podemos comparar com um rejuvenescimento.

Antes, a Igreja se apresentava preponderantemente como uma sociedade de estrutura vertical. A partir das decisões do Vaticano II, sob as luzes do Espírito Santo, desencadeou-se um profundo e constante processo de comunhão e participação em todos os níveis da vida cristã. Perdura a estrutura existente, mas surgiu uma nova consciência: todo batizado efetivamente a força redentora de Jesus. Como diz São Paulo: “Completo em minha carne o que falta à Paixão do Cristo” (Cl 1,24).

A Constituição “Lumen Gentium”, fazendo eco a documentos mais antigos, nos lembra que todos os fiéis se integram no sacerdócio santificador de Cristo. Esta visão da realidade eclesial tem igualmente uma estrutura hierárquica. Por vontade do Fundador, cada cristão recebe parte do seu poder redentor, sem que a comunidade se transforme em massa amorfa, em aglomerado anônimo. Há um corpo orgânico que se assemelha a uma família bem constituída. A dignidade de cada filho, pequeno ou crescido, em nada enfraquece a autoridade específica dos pais. Pelo contrário, confirma-a, em sua plena dimensão. Na instituição fundada por Cristo, a atuação do leigo não diminui o insubstituível ofício do Pastor que, em nome do Senhor, é o guia de uma sociedade participativa. O Bispo exerce sua múmus, não por deputação dos fiéis mas em nome de Jesus que a outorga. Por isso, não se podem comparara o governante civil, os dirigentes políticos com a função dos Sucessores dos Apóstolos. O cristão deve ver nos Pastores o dom do amor redentor de Jesus a seu rebanho: “Quem vos ouve é a mim que ouve” (Lc 10,16) é “A quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados” (Jo 20,23).

Hoje são múltiplas as formas de trabalho dos leigos nas paróquias e dioceses. Sabem-se corresponsáveis não somente em atividades internas, como a catequese, mas também na ação junto ao mundo: atividade social, nos meios de comunicação, nos campos educacional e ecumênico. Antes do Concílio já existiam, mas com exceções ou em nível não-oficial. Hoje, é comum perceber esse novo procedimento. São membros ativos da missão confiada por Cristo aos Apóstolos. Das celebrações, todos tomam parte, embora em grau diverso; vários ministérios, de forma extraordinária, não são exclusivos dos ministros sacros; na elaboração do planejamento pastoral é ampla a cooperação.

A introdução da língua vernácula na Liturgia foi, sem dúvida, fator importante de maior integração entre os diferentes níveis que formam o Povo de Deus.

O Vaticano II trouxe uma preciosa modificação no relacionamento entre a Igreja Católica e as demais religiões. Recebeu valioso incentivo o ecumenismo e o diálogo inter-religioso, uma nova perspectiva em relação aos Judeus. Parte da preservação da identidade, para abrir-se aos que têm outras crenças. O resultado, embora lento, é indiscutível. Grandes problemas da Humanidade, como a busca da paz, hoje são abordados dentro de uma convivência cordial. O respeito mútuo permite o esforço sincero e leal em benefício dos povos. As reuniões ocorridas em Assis, promovidas pelo Santo Padre e com a presença de líderes religiosos os mais diversos, são a prova desse bom êxito do Concílio.

O reconhecimento amplo e claro da liberdade de consciência suprimiu áreas de estéril atrito. Reafirma o Concílio a verdade única, o dever de buscá-la com afinco, mas não agride a convicção dos demais filhos de Deus. Para nós, a Igreja Católica é a única fundada por Jesus Cristo, mas o Vaticano II proclama que há nas diversas confissões cristãs elementos verdadeiros da herança cristã (“Lumem Gentium”, nº 15) e naqueles que, sem culpa, não conhecem Jesus Cristo, existem “sementes do Verbo” de Deus (Decreto “Ad Gentes”, nº 11).

Os meios de comunicação social mereceram, com justiça, uma atenção especial. O documento “Inter Mirifica”, com as subsequentes Instruções “Communio et Progressio” e a mais recente, “Aetatis Novae”, revelam uma mudança de atitudes, enfatizando o valor desses inestimáveis instrumentos para propagar a Mensagem do Evangelho.

A 18 de novembro de 1965, quando Paulo VI promulgava a Constituição Apostólica “Dei Verbum” sobre a divina Revelação, abriu novo e importante capítulo na vida da Igreja. Nesse Documento estavam postos os fundamentos para um profundo e eficaz retorno à Bíblia. Ela sempre ocupou um lugar de destaque em toda vida católica. Mas a partir do Vaticano II, alargaram-se novos horizontes, com efeitos benéficos em toda a atuação eclesial.

A Palavra de Deus escrita goza, na Igreja Católica, especialmente na Liturgia, catequese, ação pastoral de uma vivacidade que, nem sempre, é encontrada em outras denominações cristãs.

A dinâmica da renovação litúrgica não se exaure no texto do “Sacrossanto Concílio”.

E Maria ocupou, no Vaticano II, o lugar que merece, no coração da Obra de Cristo.

Esses comentários por ocasião do 50º aniversário da realização do último Concílio desejam estimular a leitura e o estudo dos 16 documentos que marcaram profundamente este milênio. O fato de ter havido, e ainda perduram, desvios, não justifica restrições ao Vaticano II. Ele é resultado de pessoas que não souberam ou não quiseram interpretá-lo à luz do Espírito Santo.

O “Legado do Concílio” é um grandioso movimento que marcou e ainda assinala hoje – e o fará no futuro - , a vida da Igreja de Cristo.



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