O que pode ser feito para melhorar a interação escola-comunidade?
Neste artigo, Nelson Piletti propõe ações de intercâmbio entre as duas
partes, como a criação de bancos de dados socioculturais.
Por Nelson Piletti*

Como podem os profissionais da educação bem desempenhar o seu
trabalho se não conhecem a comunidade onde o estabelecimento de ensino
em que atuam está localizado? Como pode a escola atingir os objetivos
constitucionais da educação – pleno desenvolvimento da pessoa,
preparação para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho –
se desconhece as
condições de vida e as aspirações da comunidade onde vivem os seus alunos?
O conhecimento da comunidade assume importância ainda maior quando os
profissionais da educação não residem no bairro em que atuam. Muitas
vezes, eles se dirigem à escola, executam as suas tarefas e voltam para
casa sem se preocupar, ao menos, em percorrer as ruas onde moram os
alunos – quem dirá visitar as suas casas! – para ter um contato, mínimo
que seja, com a
realidade local.
Décadas atrás, após desenvolver experiências teatrais em comunidades cariocas, o educador
Antonio Leal assumiu uma turma de alunos reprovados em certa escola da favela da Rocinha. Em seu famoso livro
Fala Maria Favela: uma experiência criativa em alfabetização, ele relata o que viu ao entrar na sala de aula:
“Das janelas em forma de venezianas, com muitos vidros
quebrados, via-se o interior das casas montadas no barranco: aparelhos
de televisão, sofás de napa, imagens de são Jorge e são Sebastião etc.
Sempre muitas crianças brincando, soltando pipa, brigas e discussões de
marido e mulher, homens construindo novos barracos, enfim a vida da
favela entrando pela janela da sala. Assim deve ser na escola (…). [Enc
ontra-se, no entanto] a sala sempre igual: carteiras individuais, a mesa
do professor e o quadro negro” (São Paulo: Editora Ática, 1993, 12ª
ed.).
Duas perguntas importantes são suscitadas pelo relato: de modo geral,
qual o estado em que se encontram as relações entre as nossas escolas e a comunidade? O que, concretamente, pode ser feito para
melhorar a interação escola-comunidade?
A questão é tão importante para a melhoria do desempenho escolar de
alunos e professores que se torna fundamental organizar, em cada
estabelecimento de ensino, um
Serviço de Intercâmbio Escola-Comunidade,
com representantes da escola (professores, alunos, funcionários) e da
comunidade (pais, associação de moradores, organizações sociais etc.).
A primeira tarefa desse serviço seria organizar um
banco de dados com o maior número possível de informações (de diversas naturezas) sobre a comunidade, abrangendo:
- Condições materiais: situação
das ruas, iluminação pública, saneamento básico, moradia, alimentação,
trabalho, salários, desemprego, água tratada, entre outros;
- Condições sociais: assistência médica, educação, acesso escolar, assistência à infância e aos idosos etc;
- Condições culturais: espaços para eventos artísticos, de lazer, atividades de fim de semana e demais ações do gênero;
- Condições familiares: tipos de arranjos familiares, número de pessoas na mesma casa. E assim por diante.
Tais informações poderiam ser enriquecidas com um
acervo fotográfico que,
exposto na escola – na sala dos professores, por exemplo –, lembrassem
sempre os educadores das características da comunidade e dos alunos com
os quais atuam.
Como segunda tarefa importante, caberia ao serviço de intercâmbio
promover atividades que facilitassem a interação entre a escola e a
comunidade, tanto no sentido
escola-comunidade, quanto no sentido
comunidade-escola,
entre as quais estariam visitas às famílias (especialmente dos alunos
com maiores dificuldades), saídas dos alunos para melhor conhecerem a
sua comunidade, atividades culturais e recreativas nos finais de semana
(abertas à comunidade), organização de eventos nas dependências da
escola, enfim, um grande leque de possibilidades.
É fundamental, porém, que todas essas atividades de interação entre
escola e comunidade caminhem ao encontro daquela que é a atividade-fim
do estabelecimento de ensino: a
educação.
Assim, com base nas informações coletadas e nas atividades de
intercâmbio promovidas, caberá à escola desenvolver um processo de
ensino e uma programação cultural ampla, ambas iniciativas embasadas nas
necessidades e aspirações da comunidade – portanto,
condizentes com a realidade cotidiana.
Dessa forma, os conhecimentos transmitidos pela escola assumirão uma “
roupagem local”
(linguagem, exemplos, atividades, eventos culturais), aumentarão o
interesse dos alunos pela escola e, certamente, também a eficiência e a
eficácia do processo de ensino e aprendizagem.
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*Nelson Piletti é graduado em Filosofia, Jornalismo
e Pedagogia. Mestre, doutor, livre-docente em Educação (USP) e
professor aposentado da Faculdade de Educação (USP), publicou dezenas de
livros didáticos, paradidáticos e acadêmicos nas áreas de Educação e
História, entre os quais Sociologia da educação: do positivismo aos estudos culturais (Editora Ática, 2010), em coautoria com Walter Praxedes.