"Deus é uma realidade da nossa vida"
Catequese de Bento XVI : O Ano da fé. Como falar de Deus?
CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 29 de novembro de 2012(
ZENIT.org)
- Apresentamos a seguir a catequese do papa Bento XVI realizada durante
a Audiência Geral de quarta-feira, 28 de novembro, na Sala Paulo VI, no
Vaticano.
O Ano da Fé. Como falar de Deus?
Queridos irmãos e irmãs,
A pergunta central que hoje nos fazemos é a seguinte: como falar de
Deus no nosso tempo? Como comunicar o Evangelho, para abrir estradas
para sua verdade salvífica nos corações muitas vezes fechados dos
nossos contemporâneos e nas mentes tantas vezes distraídas por tantos
estímulos da sociedade? Jesus mesmo, dizem-nos os Evangelistas, ao
anunciar o Reino de Deus se perguntou: “A que podemos comparar o reino
de Deus e com que parábola podemos descrevê-lo?” (Mc 4,30). Como falar
de Deus hoje? A primeira resposta é que nós podemos falar de Deus,
porque Ele falou conosco. A primeira condição para falar de Deus é então
a escuta do que Deus mesmo disse. Deus falou conosco! Deus não é uma
hipótese distante sobre a origem do mundo; não é uma inteligência
matemática muito distante de nós. Deus se interessa por nós, nos ama,
entrou pessoalmente na realidade da nossa história, se auto-comunicou
até encarnar-se. Então, Deus é uma realidade da nossa vida, é tão grande
que tem também tempo para nós, ocupa-se de nós. Em Jesus de Nazaré nós
encontramos a face de Deus, que desceu do seu Céu para imergir-se no
mundo dos homens, no nosso mundo, e ensinar a “arte de viver”, o caminho
da felicidade; para libertar-nos do pecado e tornar-nos filhos de Deus
(cfr Ef 1,5; Rm 8,14). Jesus veio para salvar-nos e mostrar-nos a vida
boa do Evangelho.
Falar de Deus quer dizer antes de tudo ter bem claro o que devemos
levar aos homens e às mulheres do nosso tempo: não um Deus abstrato, uma
hipótese, mas um Deus concreto, um Deus que existe, que entrou na
história e está presente na história; o Deus de Jesus Cristo como
resposta à pergunta fundamental do porquê e do como viver. Por isto,
falar de Deus requer uma familiaridade com Jesus e o seu Evangelho,
pressupõe uma nossa pessoal e real consciência de Deus e uma forte
paixão pelo seu projeto de salvação, sem ceder à tentação do sucesso,
mas seguindo o método do próprio Deus. O método de Deus é aquele da
humildade – Deus se faz um de nós – é o método realizado na Encarnação
na casa simples de Nazaré e na gruta de Belém, aquele da parábola do
grão de mostarda. Não devemos temer a humildade dos pequenos passos e
confiar no fermento que penetra na massa e lentamente a faz crescer (cfr
Mt 13,33). No falar de Deus, na obra de evangelização, guiados pelo
Espírito Santo, é necessária uma recuperação da simplicidade, um
retornar ao essencial do anúncio: a Boa Notícia de um Deus que é real e
concreto, um Deus que se interessa por nós, um Deus-Amor que se faz
próximo de nós em Jesus Cristo até a Cruz e que na Ressurreição nos doa a
esperança e nos abre a uma vida que não tem fim, a vida eterna, a
verdadeira vida. Aquele excepcional comunicador que foi o apóstolo Paulo
nos oferece uma lição que vai exatamente ao centro da fé do problema
“como falar de Deus” com grande simplicidade. Na
Primeira Carta aos Coríntios
escreve: “Quando cheguei no meio de vós, não me apresentei para
anunciar o mistério de Deus com excelência da palavra ou de sabedoria.
Decidi, na verdade, não dever saber coisa alguma no meio de vós senão
Jesus Cristo, e Cristo crucificado” (2,1-2). Então, a primeira realidade
é que Paulo não fala de uma filosofia que ele desenvolveu, não fala de
idéias que encontrou em qualquer lugar ou inventou, mas fala de uma
realidade da sua vida, fala do Deus que entrou na sua vida, fala de um
Deus real que vive, falou com ele e falará conosco, fala de Cristo
crucificado e ressuscitado. A segunda realidade é que Paulo não busca a
si mesmo, não quer criar um time de admiradores, não quer entrar na
história como chefe de uma escola de grandes conhecimentos, não busca a
si mesmo, mas São Paulo anuncia Cristo e quer ganhar as pessoas para o
Deus verdadeiro e real. Paulo fala somente com o desejo de querer pregar
aquilo que entrou na sua vida e que é a verdadeira vida, que o
conquistou no caminho para Damasco. Então, falar de Deus quer dizer dar
espaço Àquele que se faz conhecer, que nos revela a sua face de amor;
quer dizer expropriar o próprio eu oferecendo-o a Cristo, consciente de
que não somos nós a poder ganhar os outros para Deus, mas devemos
conhecê-los pelo próprio Deus, invocá-los por Ele. O falar de Deus nasce
da escuta, do nosso conhecimento de Deus que se realiza na
familiaridade com Ele, na vida da oração e segundo os Mandamentos.
Comunicar a fé, para São Paulo, não significa levar a si mesmo, mas
dizer abertamente e publicamente aquilo que viu e sentiu no encontro com
Cristo, quanto experimentou na sua existência já transformada por
aquele encontro: é levar aquele Jesus que sente presente em si mesmo e
tornou-se o verdadeiro sentido de sua vida, para fazer entender a todos
que Ele é necessário para o mundo e é decisivo para a liberdade de cada
homem. O Apóstolo não se contenta em proclamar por palavras, mas envolve
toda a própria existência na grande obra da fé. Para falar de Deus, é
necessário dar-lhe espaço, confiantes de que é Ele que age na nossa
fraqueza: dar-lhe espaço sem medo, com simplicidade e alegria, na
convicção profunda de que quanto mais colocamos no centro Ele e não nós,
mais a nossa comunicação será frutífera. E isto vale também para as
comunidades cristãs: esses são chamados a mostrar a ação transformadora
da graça de Deus, superando individualismos, fechamento, egoísmos,
indiferença e vivendo na relação cotidiana o amor de Deus.
Perguntemo-nos se são realmente assim as nossas comunidades. Devemos
colocar-nos em ação para tornar-nos sempre e realmente assim,
anunciadores de Cristo e não de nós mesmos.
Nesta altura, devemos perguntar-nos como comunicava o próprio Jesus. Jesus na sua unicidade fala de seu Pai –
Abbá
– e do Reino de Deus, com o olhar cheio de compaixão pelos
inconvenientes e dificuldades da existência humana. Fala com grande
realismo e, direi, o essencial do anúncio de Jesus é que torna
transparente o mundo e a nossa vida vale para Deus. Jesus mostra que no
mundo e na criação resplandece a face de Deus e nos mostra como nas
histórias cotidianas da nossa vida Deus está presente. Seja nas
parábolas da natureza, o grão de mostarda, o campo com diversas
sementes, ou na nossa vida, pensemos na parábola do filho pródigo, de
Lázaro e em outras parábolas de Jesus. A partir dos Evangelhos vemos
como Jesus se interessa por cada situação humana que encontra, se emerge
na realidade dos homens e das mulheres do seu tempo, com plena
confiança na ajuda do Pai. E que realmente nesta história,
secretamente, Deus está presente e se estamos atentos podemos
encontrá-Lo. E os discípulos, que vivem com Jesus, as multidões que O
encontram, veem a sua reação aos problemas mais absurdos, veem como
fala, como se comporta; veem Nele a ação do Espírito Santo, a ação de
Deus. Nele anúncio e vida se entrelaçam: Jesus age e ensina, partindo
sempre de um relacionamento íntimo com Deus Pai. Este estilo se torna
uma indicação essencial para nós cristãos: o nosso modo de viver na fé e
na caridade torna-se um falar de Deus hoje, porque mostra com uma
existência vivida em Cristo a credibilidade, o realismo daquilo que
dizemos com as palavras, que não são somente palavras, mas mostram a
realidade, a verdadeira realidade. E nisso devemos estar atentos para
colher os sinais dos tempos na nossa época, isto é, identificar os
potenciais, os desejos, os obstáculos que se encontram na cultura atual,
em particular o desejo de autenticidade, o anseio de transcendência, a
sensibilidade para a salvaguarda da criação, e comunicar sem temor a
resposta que oferece a fé em Deus. O
Ano da Fé é ocasião para
descobrir, com a fantasia animada pelo Espírito Santo, novos caminhos a
nível pessoal e comunitário, a fim de que em cada lugar a força do
Evangelho seja sabedoria de vida e orientação da existência.
Também no nosso tempo, um lugar privilegiado para falar de Deus é a
família, a primeira escola para comunicar a fé às novas gerações. O
Concílio Vaticano II fala dos pais como os primeiros mensageiros de Deus
(cfr Cost. dogm. Lumen gentium, 11; Decr. Apostolicam actuositatem,
11), chamados a redescobrir esta missão deles, assumindo a
responsabilidade no educar, no abrir a consciência dos pequenos ao amor
de Deus como um serviço fundamental para suas vidas, em ser os primeiros
catequistas e mestres da fé para seus filhos. E nesta tarefa é
importante antes de tudo a vigilância, que significa saber entender as
ocasiões favoráveis para introduzir em família o discurso de fé e para
amadurecer uma reflexão crítica a respeito dos numerosos
condicionamentos aos quais são submetidos os filhos. Esta atenção dos
pais é também sensibilidade em reconhecer as possíveis questões
religiosas presentes nas mentes dos filhos, às vezes evidentes, às vezes
escondidas. Depois, a alegria: a comunicação da fé deve sempre ter uma
totalidade de alegria. É a alegria pascal, que não silencia ou esconde a
realidade da dor, do sofrimento, do cansaço, da dificuldade, da
incompreensão e da própria morte, mas sabe oferecer os critérios para
interpretar tudo na perspectiva da esperança cristã. A vida boa do
Evangelho é exatamente este olhar novo, esta capacidade de ver com os
olhos de Deus cada situação. É importante ajudar todos os membros da
família a compreender que a fé não é um peso, mas uma fonte de alegria
profunda, é perceber a ação de Deus, reconhecer a presença do bem, que
não faz barulho; e oferece orientações preciosas para viver bem a
própria existência. Enfim, a capacidade de escuta e de diálogo: a
família deve ser um ambiente onde se aprende a estar junto, a conciliar
os conflitos no diálogo recíproco, que é feito de escuta e de palavra, a
compreender-se e a amar-se, para ser um sinal, um para o outro, do amor
misericordioso de Deus.
Falar de Deus, então, quer dizer fazer compreender com a palavra e
com a vida que Deus não é o concorrente da nossa existência, mas sim a
sua verdadeira garantia, a garantia da grandeza da pessoa humana. Assim,
retornamos ao início: falar de Deus é comunicar, com força e
simplicidade, com a palavra e com a vida, aquilo que é essencial: o Deus
de Jesus Cristo, aquele Deus que nos mostrou um amor tão grande a ponto
de encarnar-se, morrer e ressuscitar por nós; aquele Deus que pede para
segui-Lo e deixar-se transformar pelo seu imenso amor para renovar a
nossa vida e as nossas relações; aquele Deus que nos doou a Igreja, para
caminhar juntos e, através da Palavra e dos Sacramentos, renovar a
inteira Cidade dos homens, a fim de que possa tornar-se Cidade de Deus.
Após a catequese o papa Bento XVI dirigiu a seguinte saudação em português:
Uma saudação cordial a todos os peregrinos de língua portuguesa, com
votos de serem por todo o lado zelosos mensageiros e testemunhas da fé
que vieram afirmar e consolidar neste encontro com o Sucessor de Pedro.
Que Deus vos abençoe! Obrigado!
(MEM)