segunda-feira, 3 de setembro de 2012


Conversa, domingo 02 de setembro 2012

Através do meu irmão e amigo, o padre João Pubben, acabo de saber da passagem definitiva do Cardeal Carlo Maria Martini, que conheci como arcebispo de Milão no começo dos anos 90. Um homem excepcional. Uma vez, escreveram um livro coletivo sobre as pessoas que marcaram o século XX. Havia um capítulo dedicado ao papa João XXIII. Não me lembro o nome do autor, mas o título chamava a atenção: "João XXIII: finalmente, um cristão no Vaticano". Lembro-me desse título ao me recordar do cardeal Martini. Não que ele fosse um homem do Vaticano. Nunca foi. Jesuíta, era exegeta e dirigiu o Instituto Bíblico em Roma. De lá foi nomeado arcebispo de Milão e se tornou cardeal. Distinguiu-se por ser um humanista aberto e homem de diálogo. Em Milão, fundou uma cátedra sobre o diálogo da fé com os não crentes. E de fato manteve diálogo com vários filósofos e intelectuais importantes. Em   
Roma, não era muito estimado, nem pelo atual papa nem pelo anterior. Mas, sempre o respeitaram, por causa de sua profunda integridade e pela profundidade do seu pensamento. No ano 2000, propôs abertamente que o papa convocasse um novo concílio ecumênico para renovar a Igreja e inseri-la no século XXI. Depois, como percebeu que, em Roma, a cúria nunca aceitaria a sua proposta e se a acolhesse, a transformaria tanto que ela perderia seu objetivo, ele propôs não mais um concílio (que seria só de bispos e teria de ser convocado pelo papa), mas um fórum ecumênico mundial e que integrasse todos os que crêem. O tema seria o já proposto por um teólogo dos anos 40 (Bonhoeffer): "Paz, justiça e defesa da natureza". Creio que um dia, ao estudar nossa época, os historiadores do futuro mostrarão a importância que teve para a nossa Igreja a presença e a atuação de um homem como o Cardeal Martini. Que descanse em paz. E a sua herança profética permaneça viva e atuante. 

domingo, 2 de setembro de 2012


30/08/2012 Reflexão

A dimensão do profundo: o espírito e a espiritualidade

O ser humano não possui apenas exterioridade que é sua expressão corporal. Nem só interioriadade que é seu universo psíquico interior. Ele vem dotado também de profundidade que é sua dimensão espiritual.
O espírito não é uma parte do ser humano ao lado de outras. É o ser humano inteiro que por sua consciência se percebe partencendo ao Todo e como porção integrante dele. Pelo espírito temos a capacidade de ir além das meras aparências, do que vemos, escutamos, pensamos e amamos. Podemos apreender o outro lado das coisas, o seu profundo. As coisas não são apenas ‘coisas’. O espírito capta nelas símbolos e metáforas de uma outra realidade, presente nelas mas que não está circunscrita a elas, pois as desborda por todos os lados. Elas recordam, apontam e remetem à outra dimensão a que chamamos de profundidade.
Assim, uma montanha não é apenas uma montanha. Pelo fato de ser montanha, transmite o sentido da majestade. O mar evoca a grandiosidade, o céu estrelado, a imensidão, os vincos profundos do rosto de um ancião, à dura luta da vida e os olhos brilhantes de uma criança, o mistério da vida.
É próprio do ser humano, portador de espírito, perceber valores e significados e não apenas elencar fatos e ações. Com efeito, o que realmente conta para as pessoas, não são tanto as coisas que lhes acontecem mas o que elas significam para suas vidas e que tipo de experiências marcantes lhes proporcionaram.
Tudo que acontece carrega, e xistencialmente, um caráter simbólico, ou podemos dizer até sacramental. Já observava finamente Goethe:”tudo o que é passageiro não é senão um sinal”(Alles Vergÿngliche ist nur ein Zeichen”). É da natureza do sinal-sacramento tornar presente um sentido maior, transcendente, realizá-lo na pessoa e faze-lo objeto de experiência. Neste sentido, todo evento nos relembra aquilo que vivenciamos e nutre nossa profundidade, vale dizer, nossa espiritualidade.
É por isso que enchemos nossos lares com fotos e objetos amados de nossos pais, avós, familiares e amigos; de todos aqueles que entram em nossas vidas e que tem significado para nós. Pode ser a última camisa usada pelo pai que morreu de um enfarte fulminante com apenas 54 anos, o pente de madeira da avó querida que faleceu já há anos ou a folha seca dentro de um livro, enviada pelo namorado cheio de saudades. Estas coisas não são apenas objetos; são sacramentos que nos falam para o no sso profundo, nos lembram pessoas amadas ou acontecimentos significativos para nossas vidas.

O espírito nos permite fazer uma experiência de não-dualidade, tão bem descrita pelo zenbudismo. “Você é o mundo, é o todo” dizem os Upanishads da Índia enquanto o guru aponta para o universo. Ou “Você é tudo” como muitos yogis dizem. O Reino de Deus (Malkuta d’Alaha ou ‘os Princípios Guias do Todo) estão dentro de vós” proclamou Jesus. Estas afirmações nos remetem a uma experiência viva ao invés de uma simples doutrina.
A experiência de base é que estamos ligados e religados (a raiz da palavra ‘religião’) uns aos outros e todos com a Fonte Originária. Um fio de energia, de vida e de sentido passa por todos os seres tornando-os um cosmos ao invés de caos, uma sinfonia ao invés de cacofonia. Blaise Pascal que além de genial matemático era também místico, disse incisivamente; “é o coração que sente Deus, n ão a razão” (Pensées, frag. 277). Este tipo de experiência transfigura tudo. Tudo se torna permeado de veneração e unção.
As religiões vivem desta experiência espiritual. Elas são posteriores a ela. Articulam-na em doutrinas, ritos, celebrações e caminhos éticos e espirituais. Sua função primordial é criar e oferecer as condições necessárias para permitir a todas as pessoas e comunidades de mergulharem na realidade divina e atingir uma experiência pessoal do Espírito Criador. Infelizmente muitas delas se tornaram doentes de fundamentalismo e de doutrinalismo que dificultam a experiência espiritual.
Esta experiência, precisamente por ser experiência e não doutrina, irradia serenidade e profunda paz, acompanhada pela ausência do medo. Sentimo-nos amados, abraçados e acolhidos pelo Seio Divino. O que nos acontece, acontece no seu amor. Mesmo a morte não nos mete medo; é assumida como parte da vida, como o grand e momento alquímico da transformação que nos permite estar verdadeiramente no Todo, no coração de Deus. Precisamos passar pela morte para viver mais e melhor.
Leonardo Boff é autor de Espiritualidade: caminho de realização. Vozes 2003.
É dando que se recebe?
Estamos em tempos de montagem de governos. Há disputas por cargos e funções por parte de partidos e de políticos. Ocorrem sempre negociações, carregadas de interesses e de muita vaidade. Neste contexto, se ouve citar um tópico da inspiradora oração de São Francisco pela paz “é dando que se recebe” para justificar a permuta de favores e de apoios onde também rola muito dinheiro. É uma manipulação torpe do espírito generoso e desinteressado de São Francisco. Mas desprezemos estes desvios e vejamos seu sentido verdadeiro.
Há duas economias: a dos bens materiais e a dos bens espirituais. Elas seguem lógicas diferentes. Na economia dos bens materiais, quanto mais você dá bens, roupas, casas, terras e dinheiro, menos você tem. Se alguém dá sem prudência e esbanja perdulariamente acaba na pobreza.
Na economia dos bens espirituais, ao contrario, quanto mais dá, mais recebe, quanto mais entrega, mais tem. Quer dizer, quanto mais dá amor, dedicação e acolhida (bens espirituais) mais ganha como pessoa e mais sobe no conceito dos outros. Os bens espirituais são como o amor: ao se dividirem, se multiplicam. Ou como o fogo: ao se espalharem, aumentam.
Compreendemos este paradoxo se atentarmos para a estrutura de base do ser humano. Ele é um ser de relações ilimitadas. Quanto mais se relaciona, vale dizer, sai de si em direção do outro, do diferente, da natureza e até de Deus, quer dizer, quanto mais dá acolhida e amor mais se enriquece, mais se orna de valores, mais cresce e irradia como pessoa.
Portanto, é “dando que se recebe”. Muitas vezes se recebe muito mais do que se dá. Não é esta a experiência atestada por tantos e tantas que dão tempo, dedicação e bens na ajuda aos flagelados da hecatombe socioambiental ocorrida nas cidades serranas do Rio de Janeiro, no triste mês de fevereiro, quando centenas morreram e milhares ficaram desabrigados? Este “dar” desinteressado produz um efeito espiritual espantoso que é sentir-se mais humanizado e enriquecido. Torna-se gente de bem, tão necessária hoje.
Quando alguém de posses, dá de seus bens materiais dentro da lógica da economia dos bens espirituais para apoiar aos que tudo perderam e ajudá-los a refazer a vida e a casa, experimenta a satisfação interior de estar junto de quem precisa e pode testemunhar o que São Paulo dizia:”maior felicidade é dar que receber”(At 20,35). Esse que não é pobre, se sente espiritualmente rico.
Vigora, portanto, uma circulação entre o dar e o receber, uma verdadeira reciprocidade. Ela representa, num sentido maior, a própria lógica do universo como não se cansam de enfatizar biólogos e astrofísicos. Tudo, galáxias, estrelas, planetas, seres inorgânicos e orgânicos, até as partículas elementares, tudo se estrutura numa rede intrincadíssima de inter-retro-relações de todos com todos. Todos co-existem, inter-existem, se ajudam mutuamente, dão e recebem reciprocamente o que precisam para existir e co-evoluir dentro de um sutil equilíbrio dinâmico.
Nosso drama é que não aprendemos nada da natureza. Tiramos tudo da Terra e não lhe devolvemos nada nem tempo para descansar e se regenerar. Só recebemos e nada damos. Esta falta de reciprocidade levou a Terra ao desequilíbrio atual.
Portanto, urge incorporar, de forma vigorosa, a economia dos bens espirituais à economia dos bens materiais. Só assim restabeleceremos a reciprocidade do dar e do receber. Haveria menos opulência nas mãos de poucos e os muitos pobres sairiam da carência e poderiam sentar-se à mesa comendo e bebendo do fruto de seu trabalho. Tem mais sentido partilhar do que acumular, reforçar o bem viver de todos do que buscar avaramente o bem particular. Que levamos da Terra? Apenas bens do capital espiritual. O capital material fica para trás.
O importante mesmo é dar, dar e mais uma vez dar. Só assim se recebe. E se comprova a verdade franciscana segundo a qual ”é dando que recebe” ininterruptamente amor, reconhecimento e perdão. Fora disso, tudo é negócio e feira de vaidades.
Leonardo Boff é autor de A oração de São Francisco, Vozes 2010.

thiago damato 
POEMA DE LIBERTAÇÃO

E trancado neste pequeno apartamento
Numa periférica cidade da América Latina
Eu ainda sinto o peso do colonialismo,
da escravidão, do ouro roubado de Minas,
do latifúndio consagrado.

Mas uma brisa leve balança as cortinas
E eu penso que esta mesma brisa secou lágrimas de Che,
Bolívar, Oscar Romero, Allende, Frei Tito de Alencar.
Então, raios de sol devassam o quarto, levando-me ao longe.
Sobrevoo as Cordilheiras, a Amazônia, o Canal do Panamá,
o Pacífico e o Atlântico.

De volta, hora de aterrissar.
Abro os olhos e fixo-me no Cristo crucificado
Guardando uma parede branca , velha e descascada.

E num lugar tão pequeno, num momento tão fugaz,
percebo algo grandioso, sublime:
A esperança dos menores é eterna!

Thiago Damato, poeta menor
Niterói/RJ, Brasil.
Inverno de 2012

sexta-feira, 31 de agosto de 2012





22º Domingo do Tempo Comum: Cumprir os mandamentos
Cônego Celso Pedro da Silva
Dt 4,1-2.6-8; Sl 14 (15); Tg 1,17-18.21b-22.27; Mc 7,1-8.14-15.21-23
Alguns fariseus e escribas de Jerusalém que estavam na Galileia se aproximaram de Jesus e notaram que os discípulos não faziam o rito religioso de lavar as mãos antes das refeições. Comer com as mãos impuras não é a mesma coisa do que comer com as mãos sujas. Deve-se lavar as mãos antes das refeições por questão de higiene e cuidado com a saúde. Para que as mãos não fossem consideradas impuras, no tempo de Jesus havia um rito religioso de lavagem das mãos. Era um preceito religioso e, ao menos naquela ocasião, os discípulos não o observaram. Estavam comendo sem terem lavado as mãos. Os fariseus e os escribas queriam saber por que eles não seguiam a tradição dos antigos, e perguntaram a Jesus. Uma pergunta pode ser feita para a aquisição de conhecimento, e pode ser feita como censura crítica. A pergunta respeitosa quer saber se há uma razão séria para comer sem lavar as mãos. A outra pergunta não quer saber. Ela já está criticando porque não estão lavando as mãos como deveriam. Quem assim pergunta não quer saber se há uma razão e já supõe que o outro esteja errado.
Jesus, que percebeu logo a intenção da pergunta, respondeu com energia, citando uma passagem do profeta Isaías (29,13): “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. É vão o culto que me prestam, e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos”. Jesus os chama de hipócritas e diz que se apegam a tradições humanas esquecendo-se dos mandamentos de Deus. Jesus contrapõe os preceitos humanos aos mandamentos de Deus e afirma que o apego a preceitos e tradições pode ter como consequência deixar de lado o que é de fato a vontade de Deus.
Para saber se estamos no caminho certo da vontade de Deus, temos que olhar para dentro de nós mesmos, olhar para o nosso coração como lugar das nossas escolhas e decisões. O que torna alguém impuro são as más intenções ou os projetos arquitetados na mente e no coração: imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, cobiças, injustiças, fraudes, devassidão, inveja, difamação, orgulho, insensatez.
Não seria melhor fazer as duas coisas, ter bons projetos no coração e observar o rito de lavar as mãos antes das refeições? Sim, desde que cada coisa esteja em seu devido lugar. Não colocar a tradição humana acima da vontade de Deus.
Moisés incentivou o povo a guardar os mandamentos do Senhor sem acrescentar ou suprimir coisa alguma. É sábio e prudente aquele que não obscurece a vontade de Deus encobrindo-a com preceitos humanos. É sábio e prudente quem sabe discernir o que mais convém ao ter que tomar uma decisão prática na vida. Os preceitos e as tradições podem nos ajudar como um professor ajuda o aluno que ainda não sabe. Quando o aluno aprende, já não precisa da ajuda do professor.
A Palavra de Deus foi plantada dentro de nós. Nós a acolhemos para praticá-la. São Tiago sintetiza o que Deus espera de nós como cumpridores da Palavra de Deus quando nos diz em que consiste a religião pura e sem mancha aos olhos de Deus, nosso Pai: “Visitar os órfãos e as viúvas em suas tribulações e conservar-se limpo do contágio do mundo”. Já dizia o salmista que vive sem mancha aquele que pratica a justiça que brota da verdade que está em seu coração.
31/08/2012 - 16:09 Mesa da Palavra
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SER PROFETA
O profeta numa perspectiva cristã está a serviço da vida, comprometido com o projeto de Deus para o povo sofrido que caminha em busca da sua libertação. Ele não é aquela pessoa que adivinha as coisas. Mas aquela pessoa segura de Deus orientada para a missão de anunciar o reino de justiça, amor e fraternidade. O olhar do profeta, é o olhar de Deus porque é Deus que age, o mérito pode ficar com o profeta mas é Deus que age. O profeta é apenas um instrumento nas mãos de Deus.
Com essa visão somos chamados a assumir a missão profética, a anunciar o reino de Deus e também denunciar o pecado. Tudo o que leva à morte do homem é pecado e deve ser denunciado. Por isso mesmo, o profeta da modernidade é aquela pessoa que está no mundo consciente dessa missão. E sabe que está no mundo para fazer acontecer o que Deus quer. Além da sua vida pública o profeta não se descuida de sua espiritualidade. Procura sempre um lugar reservado para rezar, para se fortalecer diante das armadilhas do maligno. As três tentações que Jesus sofreu e venceu no deserto, são as três tentações que todos os profetas sofrem. Mas, a exemplo de Jesus são capazes da vitória. Deus promove os profetas, e porque promove coloca suas regras. O projeto de Deus anunciado da boca dos profetas ao mundo transforma-se na maior e melhor proposta de vida para todos.
Ser profeta é aceitar a vontade de Deus e ser fiel até o fim da vida. Quem caminha à luz do Documento de Aparecida está comprometido sim, com o projeto de salvação. Nesse sentido estamos caminhando nos setores missionários formando lideranças de comunidades. As lideranças que seguem a orientação da Igreja demonstram fidelidade ao projeto de evangelização. Que a força do evangelho continue a revigorar nossas forças. (Carlos: bacharelando em teologia)