Há dias, Juliana, uma jovem amiga da
Universidade da Paraíba, consagrada a organizar ali um fórum sobre
diversidade religiosa, me pediu uma reflexão sobre a "inteligência
espiritual". Embora, tivesse lido alguma coisa sobre isso, não havia
ainda me detido sobre esse fenômeno que é antropológico e independente
do sentimento religioso.
Desde que
Howard Gardner demonstrou que a inteligência humana é muito diversificada e fez
o mapa das “múltiplas inteligências”, as pessoas descobriram a importância da
“inteligência emocional”. Até hoje, o livro de Daniel Goleman faz sucesso em
muitos países. O que talvez seja mais novo e agora nesse inicio de 2013 mereça
especialmente nossa atenção é o que, em muitos círculos, tem sido chamado de
inteligência espiritual, ou transcendente. O psiquiatra Robert Cloninger,
estranho ao mundo religioso, a chama de “capacidade de auto-transcendência”.
Victor Frankl, criador da logoterapia existencial, afirma que a
auto-transcendência dá ao ser humano a possibilidade de superar barreiras e a
buscar o que está oculto para além dos limites do seu conhecimento. A auto-transcendência
pode levar a pessoa a superar a si mesma de forma inesperada e surpreendente.
Isso foi demonstrado por prisioneiros judeus e cristãos, como também por
comunistas ateus, nos campos de concentração do nazismo e das ditaduras
militares latino-americanas. Essa inteligência espiritual pode unir-se a uma
dimensão de fé e de pertença religiosa, mas é sobretudo um elemento
antropológico. É a capacidade do ser humano ser livre, isso é, transcender os
limites, sejam biológicos, sejam intelectuais e viver uma relação de identidade
profunda consigo mesmo, ou seja, com sua essência mais íntima, com o outro,
visto como mistério e sujeito de amor e com o cosmos. É, então, a inteligência
espiritual que nos faz viver o anseio por uma vida plena. A busca de sentido é
uma característica humana. Samuel, meu sobrinho, quando tinha três ou quatro anos, mal aprendeu a
falar, já perguntava, dia e noite às pessoas com as quais convivia, o porquê de
tudo e de cada coisa. Por que? Por que?
Por que?
A inteligência
espiritual organiza as respostas possíveis às perguntas sobre o sentido da vida
e os mistérios das coisas. A inteligência espiritual tem início quando se supera o nível das aparências e se busca
as raízes mais profundas. Ela leva a
pessoa a se maravilhar e encontrar beleza e sentido nas pequenas coisas do dia
a dia, a ser capaz de gratidão, a desenvolver a gentileza e a delicadeza com os
outros e consigo. No caso de uma opção de fé, a pessoa sente-se em comunhão com
a comunidade dispersa de todos os que buscam e começa a conviver com uma
presença misteriosa, mas muito real, no mais profundo do seu ser, no mais
íntimo das outras pessoas e no coração do universo. Esse mistério de amor está
em nós, como algo que, como disse Santo Agostinho, é mais íntimo a mim do que
eu mesmo. Por outro lado, não é apenas uma dimensão do meu próprio ser e de
alguma forma me transcende. Por isso, eu o encontro no outro e o outro pode
encontrá-lo em mim, melhor do que eu mesmo o consigo. É isso que as tradições
espirituais antigas chamaram Deus e, segundo a fé cristã, Jesus Cristo veio nos
revelar e nos ensinar a viver profundamente mergulhados nele.
Não é fácil
viver esse caminho de aprofundamento interior e de desenvolvimento da
inteligência espiritual em uma sociedade que banaliza tudo e vende a
dispersão
como supérfluo para nos acomodar e nos distrair da busca mais profunda
que nos
alimenta a paixão pela vida e a compaixão. Pessoalmente, estou
convencido que ninguém vive esse caminho sozinho ou sem apoio de outro. E
por isso é importante nos ligarmos mais e exercitarmos sempre e cada
vez mais o diálogo como instrumento da inteligência espiritual.