Postado em 14/11/2012 por Equipe Marina
O orçamento e as tragédias climáticas – Gil Castello Branco
No Brasil, o primeiro homem público
que demonstrou preocupação com os fatores climáticos foi d. Pedro II,
quando prometeu: “Venderei até o último brilhante da minha coroa para
acabar com a seca no Nordeste”. A coroa intacta, com todos os
brilhantes, está exposta no Museu Imperial de Petrópolis e milhares de
nordestinos, ao longo de 150 anos, foram sepultados em seus Estados.
Desde o Império, portanto, a natureza
anda de mãos dadas com a falta de planejamento e a debilidade do Estado
nas esferas municipal, estadual e federal. No caso das inundações e dos
desabamentos, a raiz do problema é a questão habitacional. Por muitos
anos, o financiamento da casa própria atendeu somente as classes mais
favorecidas. Em razão da inflação e dos juros elevados, a correção das
prestações superava os reajustes salariais, inviabilizando as operações,
notadamente para as famílias de baixa renda. Surgiram, assim, as
ocupações precárias e as invasões, sob a vista grossa dos governantes.
Diante do caos consumado, as tragédias vêm com aviso prévio. As
enchentes, por exemplo, estão no calendário nacional entre o Natal e o
carnaval. Todos conhecem os Estados, as cidades e até as áreas de risco
onde os eventos historicamente acontecem, mas o poder público é omisso
em relação à atuação preventiva.
De 2000 a 2011, o Ministério da
Integração Nacional – onde está alocada a Secretaria Nacional da Defesa
Civil – aplicou RS 7,3 bilhões na “resposta aos desastres e
reconstrução” e apenas RS 697,8 milhões na “prevenção e preparação para
desastres”. No ano passado, da mesma forma, foram gastos quase sete
vezes mais em “resposta” às catástrofes do que em medidas que poderiam
minimizar os seus efeitos. Além disso, nos últimos 12 anos, de cada RS s
do Orçamento da União para evitar calamidades naturais, somente RS 1,22
foi efetivamente investido.
Para acentuar o rol de absurdos, em 2010, dos RS 167,5 milhões
aplicados em prevenção, 50,5% foram utilizados na Bahia, terra natal do
ex-ministro da Integração Nacional Geddel Vieira Lima. O Tribunal de
Contas da União (TCU) questionou a distribuição de recursos e recebeu a
informação de que a Bahia havia apresentado maior quantidade de projetos
bem elaborados. Será que projetos dessa natureza são como o acarajé,
que ninguém faz como os baianos?No ano passado, sob nova direção, o Ministério da Integração destinou cerca de 90% dos recursos do programa de prevenção a Pernambuco. Embora a finalidade tenha sido a construção de duas barragens, uma vez mais foram questionados os critérios de distribuição estadual das verbas. A discussão acabou em frevo.
Em 2012, além dos programas de prevenção e resposta que já existiam – e permanecem neste ano -, foi criada outra rubrica com o nome de “Gestão de Riscos e Respostas a Desastres”, envolvendo pelo menos seis ministérios. A dotação autorizada neste exercício para os três programas, nas várias pastas, é de RS 44 bilhões. No entanto a dois meses do fim do ano, nem sequer a metade dos recursos foi empenhada (reservada para pagamento futuro). Até 7 de novembro, apenas RS 2 bilhões foram comprometidos e somente RS 1,3 bilhão foi efetivamente pago, incluindo os restos a pagar de anos anteriores. Algumas ações aparentemente importantes apresentam execução orçamentária pífia.
No Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação, a ação de “Implantação do Centro Nacional de Monitoramento e
Alerta de Desastres Naturais” tem RS 90,5 milhões autorizados, mas
apenas RS 867.427,50 (1%) foram empenhados. No Ministério das Cidades,
dos RS 404,7 milhões destinados ao “Apoio ao Planejamento e Execução de
Obras de Contenção de Encostas em Áreas Urbanas”, somente 20% foram
empenhados até a semana passada. Diversas outras ações estão mal
executadas, o que é preocupante tendo em vista a proximidade do verão.
Por outro lado, o Nordeste vivência a
pior seca dos últimos 80 anos. O cenário é desolador, com escassez de
água, animais morrendo, fome e miséria. O governo segue o ritual.
Repassou recursos para as áreas atingidas, prorrogou a bolsa-estiagem e
autorizou o pagamento de duas parcelas do seguro-safra. Anunciou, ainda,
o aumento do número de carros-pipa e a venda de milho subsidiado para a
alimentação de animais. Em síntese, combate a febre sem eliminar a
doença.
A seca no Nordeste brasileiro é um problema crônico e secular, que
exige providências definitivas de longo alcance, como obras que ampliem a
estrutura hídrica e a distribuição de água. A transposição do Rio São
Francisco, discutida desde o Império, só foi realmente iniciada em julho
de 2007. No entanto, mais de quatro meses depois da inauguração do
primeiro trecho, em junho de 2012, nenhuma gota dӇgua do Velho Chico
chegou aos moradores da região de Cabrobó, em Pernambuco. O canal com
poucomais de 2 km já esta pronto, mas faltam uma estação de bombeamento e uma ponte, que nem começou a ser construída.
Além da necessidade de agilizar as obras de infraestrutura, o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil precisa ser aprimorado. Na verdade, a Defesa Civil, criada na 2ª Guerra Mundial, até hoje não encontrou a sua identidade. Em alguns Estados, está vinculada à Casa Militar do Governador; em outros, ao Corpo de Bombeiros. Também é possível encontrá-la subordinada a secretarias da área social. A coordenação é exercida tanto por civis como por militares, sem que existam carreiras específicas.
Assim, tanto nas enchentes quanto nas
secas, é preciso que seja intensificada a prevenção dos desastres
naturais, aprimorando a gestão e ampliando os valores aplicados, mesmo
que, para isso seja necessário vender os brilhantes da coroa de d. Pedro
II.
ECONOMISTA, É FUNDADOR DA ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL ASSOCIAÇÃO CONTAS ABERTAS. E-MAIL; GIL@CONTASABERTAS.ORG.BR
Publicado originalmente no jornal O Estado de S.Paulo
Segunda-feira, novembro 12, 2012
Segunda-feira, novembro 12, 2012