Reproduzimos
aqui o depoimento do primeiro secretário geral da CNBB, dom Helder
Câmara, publicado por ocasião dos 25 anos da Conferência, no jornal O
São Paulo (19-25/11/1977), no Comunicado Mensal n. 302, (novembro de
1977) e reeditado, em 2002, no livro “Presença Pública da Igreja”, por
ocasião das comemorações dos 50 anos da CNBB. Ele apresenta alguns
detalhes dos bastidores da criação da Conferência.
“Os homens se movem e Deus os conduz: eis o resumo das minhas impressões ao recordar o surgimento da CNBB e sua caminhada”
Hoje,
é fácil ver como o Espírito de Deus, por meio de movimentos como o
Movimento Bíblico, o Movimento Litúrgico e, sobretudo, a Ação Católica
(Geral e depois Especializada), preparou o Concílio Vaticano II,
completado, para os latino-americanos, pela Assembleia Latino-americana
de Bispos, em Medellín.
Hoje, é fácil verificar como aludidos
movimentos prepararam o surgimento das Conferências de Bispos, em plano
nacional como a CNBB, ou continental como o CELAM (Conselho do
Episcopado Latino-americano). O Espírito de Deus queria conduzir-nos à
vivência da Colegialidade Episcopal e da co-responsabilidade de todo o
Povo de Deus.
O Espírito de Deus, mantendo unida em torno de
Cristo e de Pedro a Madre Igreja, santa e pecadora, queria conduzir-nos à
vivência correta da Igreja local, em união com a Igreja de Cristo no
mundo inteiro, em íntima sintonia com o Santo Padre, e a serviço dos
homens, nossos irmãos.
Destacar ações pessoais em face de
Movimentos cujo alcance último nem sempre entrevíamos; destacar ações
pessoais quando as mesmas ideias andavam na cabeça e no coração de
muitos, dá-me uma dupla impressão de apropriação indébita e consequente
ridículo.
É verdade que, com 27 anos de idade, em 1936, a
Providência me transferiu, de modo inesperado, para o Rio de Janeiro.
Aí, fui levado a colaborar com d. Sebastião Leme e, a seguir, com d.
Jaime Câmara. Um dia (sou fraco em datas), vi-me nomeado assistente
geral da Ação Católica Brasileira. Em uma célebre Assembleia Geral da
Ação Católica, os bispos presentes (recordo-me, entre outros, de d.
Antonio Cabral, d. Fernando Gomes e de d. José Delgado) exigiram a
criação de um Secretariado Nacional da Ação Católica. Lançaram até um
desafio fraterno: se o Secretariado fosse fundado, depois de seis meses
de funcionamento, os bispos do Brasil se encarregariam de mantê-lo.
Comuniquei
a d. Jaime o desafio amável recebido em Belo Horizonte. Ele abençoou a
ideia e deu-me carta-branca para agir. Para instalar o Secretariado
Nacional da Ação Católica Brasileira fui obrigado a pedir emprestados 50
contos (há uns bons 28 anos) à ASA (Ação Social Arquidiocesana do Rio
de Janeiro), que tinha como assistente o queridíssimo irmão pe. Vicente
Távora (mais tarde d. Távora), como presidente a Srª. Celina Guinle de
Paula Machado e como tesoureiro, o único sobrevivente dos três, Luiz
Bettencourt.
Com os famosos 50 contos, alugamos oito salas no
inesquecível 16º andar do nº 11 da rua México. Compramos o mobiliário
indispensável (uns 3 ou 4 armários, umas 4 ou 5 mesas, uma máquina de
escrever). O que estava acima de qualquer preço foi a mobilização de
leigos simplesmente admiráveis, devotadíssimos, não a pessoas, mas ao
serviço ao próximo, servindo à Igreja. Fui buscar no Instituto do Sal,
então presidido pelo atual ministro da Justiça, Armando Falcão, uma
criatura-símbolo que permaneceu fiel até ser levada pelo Pai para a Casa
da Eternidade, há um mês atrás: Cecília Monteiro. Do primeiríssimo
núcleo de colaboradores da Ação Católica Brasileira, precursora da CNBB,
continuam na ativa, entre outros, Aglaia Peixoto, Carlina Gomes, Maria
Luiza Amarante e Edgar Amarante, Jeanette Pucheu, Vera Jacoud, Frei
Romeu Dale... Trabalha na Bélgica Yolanda Bettencourt. Parece-me que é
juiz Celso Generoso e deputado, Célio Borja. Um “comigo” (tínhamos mesmo
um pacto de unidade) meu irmão d. José Távora. Citei apenas nomes que
lembram outros numerosos nomes que recordam dedicações sem conta.
O
Secretariado Geral da Ação Católica Brasileira, com o apoio de núncios
apostólicos, como d. Carlos Chiarlo e d. Armando Lombardi, e a alta
proteção de d. Jaime e de d. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, começou
inclusive a promover Encontros Regionais de Bispos, como o dos prelados
da Amazônia e o dos prelados do Vale do São Francisco.
Estava
madura a ideia da CNBB. Em um País de dimensões continentais, impunha-se
um secretariado que ajudasse os bispos a equacionar com segurança os
problemas locais, regionais e nacionais, em face dos quais a Igreja não
pode ser indiferente.
Aproveitando um bom pretexto para uma
primeira viagem a Roma, fui expor o sonho da CNBB ao então subsecretário
de Estado do Santo Padre Pio XII, S. Exa. Mons. Montini. Ia como
representante dos anseios de numerosos bispos, e viajei com o apoio
precioso do senhor núncio e dos senhores cardeais do Rio (d. Jaime) e de
São Paulo (d. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota).
Mons. Montini
ouvia os problemas do mundo inteiro, com enorme perspicácia e profundo
interesse fraterno. Quando, depois de meia hora, acabei de expor o
projeto da CNBB, ele me submeteu a um teste para medir se me moviam
segundas intenções de candidatar-me a bispo. Disse-me S. Exa.: “Estou
convicto da necessidade da CNBB. Resta-me uma dúvida final: por tudo que
eu ouço e sinto, o natural secretário-geral da CNBB seria o senhor.
Acontece que a Conferência é de bispos, e o senhor não é bispo”.
Não
vacilei um segundo na resposta: qualquer outro poderia levantar aquela
dúvida, menos ele, que, sem ter então caráter episcopal, era instrumento
de Deus para ligação com o Episcopado do Brasil. S. Exa. sorriu, feliz,
sentindo que, nem por sombra, havia subintenções no projeto da CNBB.
Lembro-me que já deixei no espírito de mons. Montini a sugestão do
futuro CELAM.
Um ano depois da primeira ida a Roma, tive de
voltar a mons. Montini para insistir no sonho da CNBB. Ele garantiu que,
em menos de três meses, a Conferência estaria criada. Deus se serviu do
hoje Santo Padre Paulo VI para a fundação da CNBB e, pouco depois, do
CELAM.
Durante dois períodos (de seis anos cada) fui
secretário-geral da CNBB. Tivemos nossas primeiras Assembleias Gerais de
Bispos e Encontros Regionais memoráveis como os dois Encontros dos
Bispos do Nordeste.
Tivemos aventuras maravilhosas como o
Concílio Ecumênico Vaticano II. Mas ainda era a pré-história da nossa
CNBB. Francisco Whitaker Ferreira, o pe. Raimundo Caramuru e Carlina
Gomes deram impulso decisivo para que nossa Conferência imprimisse cunho
mais científico à sua programação. Ao 2º secretário-geral, d. José
Gonçalves, coube dar embasamento financeiro à Conferência. Passos
decisivos para a presente figura da CNBB foram o Vaticano II, o Encontro
Latino-americano de Medellín e o fortalecimento da unidade da CNBB,
graças aos Secretariados Regionais que cobrem todo o País.
Hoje,
nossa Conferência, sob a presidência providencial de d. Aloísio
Lorscheider, com a cobertura perfeita de d. Ivo Lorscheiter como
secretário-geral, com a dedicação de sempre de assistentes notáveis e de
um laicato extraordinário (do qual é símbolo, no momento, Aglaia
Peixoto), a CNBB, com as bênçãos de Deus, revela-se sempre mais, à
altura da hora difícil vivida pelo nosso país e pelo mundo.
Haja
vista a iniciativa das jornadas internacionais para uma sociedade sem
dominação, assumida em conjunto pelas Conferências de Bispos da França,
dos Estados Unidos, do Canadá, da Ásia e pela Organização de Juristas
Internacionais e contando com mais de mil adesões dos cinco continentes e
dos setes mares...