Educadores se equivocam ao substituir o livre brincar por brincadeiras pedagógicas, afirma psicóloga.
O direito de brincar é reconhecido internacionalmente desde 1959 como
consta na Declaração Universal dos Direitos da Criança, que prevê o
brincar como uma vertente do direito à liberdade de meninos e meninas.
Segundo especialistas, a infância brasileira tem passado por profundas
transformações, influenciada pela intolerância do capitalismo, pelo
complexo sistema da globalização, e pela redução do tempo livre devido
ao “culto ao trabalho”, dentre outros fenômenos sociais modernos.
Brincadeiras de rua, banho de mangueira no quintal, ter contato com
animais e correr livremente por aí, são algumas das atividades
consideradas importantes para o processo de aprendizagem infantil.
Porém, o trabalho, que a princípio deveria atingir somente a fase
adulta, já faz parte do universo infantil, reduzindo cada vez mais o
tempo da infância. O direito ao lazer e brincar, legitimado pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela Constituição, é
tratado como menos importante ou supérfluo.
Passa muitas vezes despercebido na elaboração de políticas públicas
que protegem e garantem os direitos de crianças e adolescentes em todos
os campos, como afirma um dos coordenadores do Fundo das Nações Unidas
para a Infância (Unicef) no Brasil, Silvio Kaloustian. “É importante
ressaltar a relevância da questão dos direitos em todos os campos.
Fala-se sempre em saúde, educação, cultura e lazer de forma isolada, mas
são áreas totalmente sinérgicas e que uma política pública deveria
vê-las como um todo”.
Lazer e trabalho
Em relação ao lazer, não só no Brasil como no mundo, existem várias
pesquisas científicas que apontam a relevância, a importância e a
necessidade para que crianças tenham espaços privilegiados para
brincadeira. “Brincar desenvolve as capacidades e competências de uma
forma integrada. É quando a questão da sociabilidade é colocada, a
convivência com as diferenças é ressaltada e é nesse ambiente que
alcançamos a formação do ser humano de forma plena”, explica Kaloustian.
Para uma criança ou adolescente que trabalha, há a perda dessa
formação e a violação do direito. “Não só o ECA como a Constituição
Brasileira e toda normativa nacional e internacional assegura à criança
e ao adolescente o direito de estudar e participar de uma vida
comunitária ativa e protagônica. E nós sabemos que o trabalho não é a
forma como isso se desenvolve”, garante o coordenador.
Muitas pessoas ainda acreditam que as crianças brincam apenas por
prazer. Mas é por meio das brincadeiras que elas aprendem, experimentam
situações, descobrem outras possibilidades e que buscam entender o
significado das atividades realizadas pelos adultos. “Com certeza uma
criança que trabalha não tem o mesmo entendimento do lazer e do brincar
em relação à outra que não trabalha,” afirma o representante do Unicef.
“O ato de trabalhar nessa faixa etária impede que ela desenvolva em
plenitude as suas capacidades e competências, ou seja, há uma queima de
oportunidades, não só pela legislação como uma perda da infância”,
conclui.
Para a psicóloga e professora de pós-graduação em projetos sociais do
Senac, Silvia Sá, a situação de uma criança que trabalha ver que outra
pode brincar enquanto ela não, pode gerar estresse e tristeza. “Quando
uma delas tem esse direito básico tirado, há grandes chances da
criança não entender as diferenças de papeis nas relações pessoais.
Assim, poderá terá o desenvolvimento pessoal e intelectual
comprometidos e, ao pular essa etapa na vida, ela pode encontrar
dificuldades com regras de convívio social”, explica.
Escola é lugar de brincar
A relação de lazer na escola e instituições de ensino também são
afetadas por essa visão superficial do significado do direito ao lazer.
Muitas vezes o educador imagina que as brincadeiras pedagógicas podem
entrar no lugar do brincar, o que pode ser um pensamento equivocado, de
acordo com Sá. “Apesar da criança também gostar desse tipo de
brincadeira, ela não pode entrar no lugar do brincar livremente. É nesse
espaço que a criança cria as próprias regras, inventa o próprio jogo,
se comunica e pensa livre o que quer fazer e compartilhar socialmente”.
A psicóloga ainda faz um alerta sobre o desempenho escolar e o
trabalho na infância de meninos e meninas que, consequentemente, brincam
menos ou não têm tempo para o lazer. “A situação em que essas crianças
se encontram, as distancia da infância e do pensamento de que é
possível imaginar algo diferente da realidade tão dura e que afasta a
fantasia e a imaginação, não permitindo pensar outras formas de
enxergar o mundo”.
De acordo com o coordenador do Unicef, não adianta garantir uma
escola de qualidade sem que se tenha retaguardas no campo da proteção,
assistência e esporte, por exemplo. “O Unicef destaca a importância do
lazer não somente no ambiente escolar, mas em todos os espaços. Sabemos
que todo espaço público, familiar e comunitário é de aprendizagem e
precisam ser estimulados”, explica Kaloustian, ao concluir que a
principal tarefa é garantir que a criança e o adolescente se desenvolvam
de forma plena.
Fonte: http://portal.aprendiz.uol.com.br/2012/12/18/criancas-que-nao-brincam-tem-seu-desenvolvimento-prejudicado/