Com população de 192 milhões de habitantes, apenas 6,6 milhões de brasileiros se encontram na universidade
09/11/2012
Frei Betto
Stefan Zweig intitulou
Brasil, país do futuro seu
livro de ensaios lançado em 1941, quando veio conhecer o país que o
acolheria e no qual morreria no ano seguinte. Ora, pode ser aplicado ao
futuro o que diz Eduardo Galeano a respeito da utopia: como o
horizonte, está sempre ali na frente, mas não se pode alcançá-la, por
mais que se caminhe em sua direção.
Prefiro afirmar que o
Brasil é um país de contrastes. Com população de 192 milhões de
habitantes (dos quais 30 milhões na zona rural, onde predomina o
latifúndio com grandes extensões de terras improdutivas), apenas 6,6
milhões de brasileiros se encontram na universidade. E dos 92 milhões de
trabalhadores, quase a metade não tem carteira assinada.
Temos
a maior área fundiária da América Latina e nunca se fez aqui uma
reforma agrária. Somos o principal exportador de carne e temos a segunda
maior frota de helicópteros das Américas, e convivemos com a miséria de
16 milhões de habitantes (dos quais 40% têm até 14 anos de idade e 71%
são negros e pardos).
As marcas de 350 anos de escravidão no
Brasil ainda são visíveis no fato de a maioria da população negra ser
pobre e, com frequência, discriminada. O Brasil, considerado hoje a 6ª
economia do mundo, ocupa a vergonhosa posição de 84º lugar no IDH da ONU
(2012).
Embora 65% da renda nacional se concentrem em mãos de
apenas 10% da população, o país experimenta sensíveis melhoras nesses
primeiros anos do século XXI. Graças aos programas sociais dos governos
Lula e Dilma, 30 milhões de pessoas deixaram a miséria. O controle da
inflação, o crédito facilitado e a redução dos juros ampliam o segmento
da classe média. A desoneração da indústria automobilística e dos
produtos de linha branca (geladeiras, máquinas de lavar etc.) dão acesso
a bens de consumo.
No entanto, 4 milhões de menores de 14 anos
de idade ainda se encontram fora da escola e submetidos a trabalhos
indignos. Cinco milhões de agricultores sem-terra se abrigam em
precários acampamentos à beira de estradas ou habitam assentamentos com
baixo índice de produtividade. Dos domicílios, 47,5% carecem de
saneamento básico. Isso abrange um universo de 27 milhões de moradias
nas quais vivem 105 milhões de pessoas.
Há cerca de 25 mil
pessoas submetidas ao trabalho escravo, sobretudo nos estados da
Amazônia, cujo desmatamento, provocado pelo agronegócio e a exploração
predatória feita por empresas mineradoras, não cessa de despir a
floresta de sua exuberância natural.
Na ponta mais estreita da
pirâmide social, os brasileiros gastam, em viagens no exterior, US$ 1,8
bilhão por mês! O rombo nas contas externas atingirá, este ano, a cifra
recorde de US$ 53 bilhões. Nos últimos anos, a baixa cotação do dólar em
relação ao real afetou a indústria nacional e favoreceu a entrada de
produtos estrangeiros.
Como a economia brasileira está
ancorada principalmente na exportação de commodities, a crise financeira
mundial reduz progressivamente as encomendas, tornando pífio o
crescimento do PIB, previsto este ano para 1,2%.
Considerado o
segundo maior consumidor de drogas no mundo (atrás apenas dos EUA), o
Brasil convive com expressiva violência urbana. Os homicídios são a
principal causa de mortes de jovens entre 12 e 25 anos.
Embora
a situação social do Brasil tenha melhorado substancialmente na última
década (a ponto de europeus afetados pela crise financeira migrarem para
o nosso país em busca de emprego), falta ao governo implementar
reformas estruturais, como a agrária, a tributária e a política.
O sistema de saúde pública é precário e somente neste ano os deputados
federais propuseram dobrar para 10% do PIB o investimento federal em
educação. Convivemos com 13,6% de adultos analfabetos literais e 29% de
adultos analfabetos funcionais (sabem ler e assinar o nome, mas são
incapazes de escrever uma carta sem erros ou interpretar um texto).
Segundo o Instituto Pró-Livro, o brasileiro lê apenas 4 livros por ano.
E apenas 5% da população é capaz de se expressar em inglês, dos quais a
maioria sem domínio do idioma.
O poder público brasileiro, com
raras exceções, é avesso à cultura. O orçamento 2012 do Ministério da
Cultura é de apenas R$ 5 bilhões (o PIB atual do Brasil é de R$ 4,7
trilhões). O que explica o país dispor de apenas 3 mil livrarias, a
maioria concentrada nas grandes cidades do Sul e do Sudeste do país.
Apesar
das dificuldades que o Brasil atravessa, somos um povo viciado em
otimismo. Temos, por hábito, guardar o pessimismo para dias melhores...
Agora o nosso horizonte de felicidade se coloca na Copa das
Confederações em 2013; na Copa do Mundo em 2014; e nas Olimpíadas do Rio
de Janeiro, em 2016.
Como o nosso país estará no centro das
atenções mundiais, o governo apressa obras, reforma estádios, aprimora a
infraestrutura e promete festas que nos farão esquecer que ainda somos,
socialmente, uma das nações mais desiguais do mundo.
Frei Betto é escritor, autor do romance “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros.