Terra e ciência sinalizam: o futuro é hoje, e é quente
14/12/2012 | Washington Novaes *
"Uma pesquisa do Global Carbon Project dizia que, até o fim deste
mês, as emissões globais no ano atingirão 35,6 bilhões de toneladas de
carbono, 2,6% mais que em 2011 e 54% mais que em 1990", informa
Washington Novaes, jornalista, em artigo publicado no jornal O Estado de
S. Paulo, 14-12-2012.
Segundo o jornalista, "apesar dos fatos, das estatísticas, das
pesquisas, continuamos a nos comportar como se tivéssemos prazos
infinitos. Só que, como diz James Hansen, cientista da Nasa, "o futuro é
agora; e ele é quente".
Eis o artigo.
Como já prevíramos neste espaço (18/11), a 18.ª reunião dos 194
países-membros da Convenção do Clima em Doha, no Catar (22/11 a 7/12),
não conseguiu nenhum avanço importante - a não ser a prenunciada
prorrogação, até 2020, do Protocolo de Kyoto, de 1997, que venceria no
próximo dia 31 e propunha a redução de 5,2% das emissões poluentes dos
países industrializados (calculadas sobre as de 1990, que já aumentaram
50%) em troca de financiamentos para projetos redutores em outros
países. A prorrogação era fundamental para o sistema financeiro, pelo
qual foram negociados em uma década 5 mil projetos dessa natureza em 81
países - entre eles o Brasil, que apoiou "com entusiasmo" a continuação
-, porque o mercado decorrente dessas iniciativas movimenta muitas
dezenas de bilhões de dólares (mas, na última semana antes da reunião, o
valor da tonelada de carbono negociada nesse mercado, que em outros
tempos já valera até US$ 80, caíra para menos de US$ 1).
Ainda assim, ela foi aprovada na penúltima hora, com a direção da
convenção passando por cima dos protestos da Rússia e de outros países
da antiga área soviética, que queriam continuar comercializando o hot
air, isto é, a redução de emissões que tiveram com o processo de
desindustrialização em várias nações após a redivisão territorial e
política. A mesa dos trabalhos decidiu fazer-se de surda aos protestos e
às opiniões contrárias também dos Estados Unidos (que nunca homologaram
o protocolo de 1997), do Canadá, do Japão, da Nova Zelândia e da China.
Na verdade, a prorrogação agora só abrange 15% das emissões em países
da comunidade europeia, na Austrália, na Suíça e em mais oito nações.
Hoje 60% das emissões já estão nos países "emergentes" e outros não
industrializados. A China é a maior emissora (6,6 toneladas anuais por
pessoa), à frente, dos Estados Unidos (17,2 toneladas per capita) e
seguida pela Índia. A União Europeia emite 7,3 toneladas por pessoa. O
Brasil, segundo o ex-economista-chefe do Banco Mundial lorde Nicholas
Stern, mais de 10 toneladas anuais por pessoa, incluídas as emissões por
desmatamento. De 1990 para cá os Estados Unidos aumentaram suas
emissões em 10,8%, a União Europeia diminuiu as suas em 18%.
O próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, alertou na convenção
que "o mundo precisa acelerar suas ações", diante do quadro atual de
secas na Ucrânia, na Índia, no Brasil, da supertempestade Sandy nos
Estados Unidos, de inundações na China, em Moçambique, na Colômbia, na
Austrália, do derretimento dos gelos polares em níveis inéditos, da
degradação do solo, que afeta 1,5 bilhão de pessoas. Mas nada disso
comoveu os países industrializados, que, envolvidos na crise
econômico-financeira, não quiseram avançar no compromisso de doar, para
um fundo de US$ 100 bilhões anuais, recursos para que os países mais
pobres enfrentem o problema e mitiguem as mudanças. Nem para transferir
gratuitamente tecnologias. O representante das Filipinas chegou a chorar
no plenário, ante esse quadro, e foi aplaudido pelos delegados de
dezenas de países-ilhas, que já estão sendo atingidos pela elevação do
nível dos oceanos.
A ministra brasileira do Meio Ambiente, embora lamentando o impasse
nas negociações mais amplas, considerou o avanço em relação a Kyoto "um
resultado histórico". Disse que o Brasil "está orgulhoso" com a redução
do desmatamento na Amazônia. E será favorável ao compromisso geral
previsto para 2015.
Nas palavras, praticamente todos os países continuaram dizendo que se
espera chegar a 2015 com esse compromisso obrigatório de redução de
emissões para todas as nações - mas que só entre em vigor a partir de
2020. Um tanto enigmático, o representante norte-americano garantiu que o
governo Barack Obama, até 2020, reduzirá as emissões nacionais em 17%,
calculadas sobre as de 2005. Mas não aceitou compromisso de contribuir
para um fundo imediato de US$ 60 bilhões que, até 2015, minoraria a
situação nos países mais pobres.
Enquanto o plenário era abalado pelas notícias a respeito do recente
tufão sobre as Filipinas, com mais de mil mortos e desaparecidos, uma
pesquisa do Global Carbon Project dizia que, até o fim deste mês, as
emissões globais no ano atingirão 35,6 bilhões de toneladas de carbono,
2,6% mais que em 2011 e 54% mais que em 1990. A continuarem nesse ritmo,
a temperatura poderá subir 5 graus Celsius até o fim do século. Segundo
lorde Nicholas Stern, para conter o aumento da temperatura do planeta
em 2 graus até 2050 será preciso reduzir as emissões em 15 bilhões
anuais de toneladas sobre o que seriam em 2030; se isso não acontecer,
os países não industrializados emitirão de 37 bilhões a 38 bilhões de
toneladas nesse ano (ou dois terços do total; emitiam um terço em 1990) e
os industrializados, de 11 bilhões a 14 bilhões de toneladas. Já o
Banco Mundial prevê uma tendência de a temperatura aumentar 3 graus até
2050.
Um dos nós do problema continua nos subsídios governamentais ao uso
de combustíveis fósseis na geração de energia: US$ 523 bilhões em 2011,
segundo a Climate Action Tracker, ou 30% mais que em 2010; enquanto
isso, as energias renováveis e não poluentes tiveram US$ 88 bilhões de
subsídios oficiais.
E, entre nós, os discursos continuam muito mais otimistas que as
práticas: o governo federal utilizou este ano apenas 48% (R$ 2,1
bilhões, dos quais R$ 1,1 bilhão pago) das verbas previstas para evitar
desastres climáticos (Estado, 3/12), embora o seu Centro Nacional de
Gerenciamento de Riscos e Desastres já tenha emitido alertas de
emergência em 407 municípios, por causa de seca ou chuvas. E apesar das
previsões de "chuvas fortes" nos três meses a partir de dezembro.
Apesar dos fatos, das estatísticas, das pesquisas, continuamos a nos
comportar como se tivéssemos prazos infinitos. Só que, como diz James
Hansen, cientista da Nasa, "o futuro é agora; e ele é quente".
* Washington Novaes é jornalista.
Fonte: www.ihu.unisinos.br