Nesta introdução ao 27º domingo do
tempo comum (07.10.2012), que traz a família como temática central, faz-se
necessário acenar para um dos caminhos dos quais percorrem homens e mulheres.
Dentre esses caminhos, o mais importante,
sem sombra de dúvida é a família: uma via comum, mesmo se permanece particular
e única, como única é cada homem e cada mulher; uma via da qual o ser humano
não pode separar-se. A Igreja une-se com afetuosa solicitude, porque está
ciente do seu papel fundamental que a família é chamada a desempenhar (cf. J.
Paulo II, Carta às famílias, n. 2).
Deus criou o homem e a mulher para
que vivessem por vocação a doação entre si, conscientes de que são “uma só
carne” (I leitura). Seguindo esta mesma lógica, Jesus, no evangelho de hoje, é
categórico em afirmar e solicitar aos esposos e esposas que não se esqueçam de
viver para sempre o amor, evitando assim que alguém se intrometa a separar,
desmantelando o que Deus uniu (Evangelho). Quanto ao texto (Hb, 2,-11), a (II
leitura), o autor nos levar a refletir sobre a opção de Jesus para com toda a
humanidade, ao identificar-se em sua radical humildade e obediência ao plano de
Deus. No final das contas, fidelidade só é provável na obediência a Deus que
acontece no amor-solidariedade.
Queremos ainda chamar atenção para o
mês missionário. Neste seu primeiro domingo – que neste ano tem como tema:
“Brasil missionário, partilha tua fé” -, a Igreja realça o dom da aliança
matrimonial dos casais-protagonistas missionários do amor.
I leitura (Gn 2,18-24)
Se não estou equivocado, penso
que o autor quer tratar do seguinte tema: A realização do ser humano.
A propósito da narração do texto, é
possível que inúmeras indagações e afirmações, desde quando surgiu o texto até
os dias atuais, sejam assim formuladas, por exemplo: “É verdade que Adão ficou
com menos uma costela?”; “A mulher é inferior ao homem”; “Quanto ao homem, suas
faltas não lhe causam nenhuma sanção divina. Sobre a mulher, sim! E, por aí,
vai!”.
Trata-se exatamente da preocupação
que os mestres do povo de Israel tinham para responder a determinadas questões
de cunho existenciais e também de fé, como as que foram feitas.
Atenção, irmãos, quanto às perguntas,
o próprio Deus responderá a todas.
O Senhor Deus disse: “Não é bom que
o homem esteja só. Vou dar-lhe um “auxiliar” semelhante a ele” (v18). “Auxiliar”,
é o mesmo que submissão na cultura patriarcal? Pode ser, mas aqui neste
contexto, não. Aqui, trata-se de igualdade na diferença; companheiros na
extensão um do outro. “Necessitam-se, admiram-se, atraem-se mutuamente,
unem-se, formam uma só carne”.
É essa a interpretação bíblica a
respeito do homem-mulher. Vejamos a descoberta que alguém tem sobre esse texto:
“Por que Deus tirou a mulher do lado (da costela) do homem? Do lado pra
caminhar juntos, para ser companheira. Por que não foi tirada do osso do pé? Se
fosse pra ela andar debaixo dos pés do homem, Deus a teria tirado do osso do
pé. Ela é companheira, por isso foi tirada do osso do lado. É aquela que
caminha junto, que decide junto. É aquela que trabalha junto” (Luzia Santos
Florêncio). É do lado do coração que nasce a mulher.
Destas considerações nascem mais
uma: duas pessoas se casam para realizar em conjunto um projeto comum.
Por fim, cuidado para não
esquecermos: quanto amor comprovado por parte do Criador! “O artífice divino
tudo fez com muita arte e criatividade. E tudo entregou ao nosso cuidado”.
Evangelho (Mc 10,2-16)
Não são poucas as situações, e
algumas delas, por conseguinte, deixam determinados casais totalmente
desapontados, a ponto de se perguntarem se ainda vale a pena insistir na
tentativa de conciliar uma relação que iniciou na contramão e que vai
despontando como irremediavelmente insustentável. “Não seria mais coerente que
cada um seguisse o seu caminho, buscando descobrir novas perspectivas de vida?”
A essas insistentes e sofríveis indagações, a razão humana responde sem
titubear: é melhor a separação!
Nessa
mesma linha de pensamento, o Antigo Testamento justifica a possibilidade da
efetuação do divórcio, uma vez que era permitido pela lei judaica. Assim, no
livro do Deuteronômio (24,1) lê-se: “Quando um homem se casa com uma mulher e
consuma o matrimônio, se depois ele não gostar mais dela, por ter visto nela
alguma coisa inconveniente, escreva para ela um documento de divórcio e o entregue
a ela, deixando-a sair de casa em liberdade,”. Com base nessa orientação,
justificava-se a liceidade do divórcio.
Por
esses meandros, lá vêm de novo os fariseus com suas armadilhas maldosas,
tentando encurralar Jesus. Dessa feita, eles trazem a seguinte questão: “se era
permitido ao homem divorciar-se de sua mulher”.
O
texto adota o esquema dos diálogos didáticos, ou seja, o processo dialético e
pedagógico socrático (maiêutico). Os interlocutores se sentem obrigados a
responder, revelando seus pontos fracos. O Mestre corrige a resposta dos
interlocutores, apresentando a novidade.
Na
perspectiva deuteronomista, o documento de divórcio visava proteger a mulher, coibindo
o inveterado arbítrio machista. Com esse documento, a mulher estaria livre para
se casar com outro homem, sem ser acusada de ter cometido adultério. Os
fariseus, portanto, ao responder que Moisés permitiu escrever o documento de
divórcio, legitimam a discriminação, querendo torná-la parte integrante da
vontade e do projeto de Deus.
Sábia,
livre, corajosa e acertada é a resposta de Jesus, mostrando, em primeiro lugar,
que a prática farisaica é um gesto de impiedade e de idolatria; “Foi por causa
da dureza do coração de vocês que Moisés escreveu esse documento” (v.5). O que
Jesus pretende dizer com seu ensinamento é que homem e mulher, unidos em
matrimônio, formam uma unidade corpórea
indissolúvel. É questão de projeto de Deus! Portanto, quem terá a
autoridade de contrariá-lo? “A separação se transforma num atestado destruidor
da obra de Deus”.
Terminadas
as instruções catequéticas sobre o matrimônio cristão, na última parte do
evangelho (vv. 13-16) Jesus retoma a condição da criança e convida os seus
discípulos a acolherem o Reino de Deus com ela.
O
v. 15 traz a declaração solene de Jesus: “Em verdade, digo a vocês: quem não
receber o Reino de Deus como uma criança, nele não entrará”. Os pobres,
portanto, são apresentados como condição para acolher o Reino e entrar nele.
Para
compreender melhor a indissolubilidade é preciso voltar a ser criança e
deixar-se penetrar por uma sabedoria completamente nova, a de Deus. Eis a
condição sine qua non! (sem a qual
não!).
II leitura (Hb 2,9-11)
A segunda leitura está
sintonizada com o tema do matrimônio e família segundo o projeto de Deus:
Jesus, embora sendo homem como nós, está em condições de entender as
dificuldades que encontramos também na execução do projeto de Deus.
Que não ouçamos tão somente as
leituras, mas procuremos apreender o seu conteúdo, tendo-o como luz na
execução, sobretudo da compreensão em relação aos casais que se encontram em
situações dificílimas. Assim seja!
Pe. Francisco de
Assis Inácio
Pároco
de Nova Cruz-RN