Contemplar o mundo em que vivemos e os nossos contemporâneos,
prescindindo das virtudes da fé e da esperança, gera em nós um
sentimento de temor que nos leva a afirmar que, em pleno século XXI,
ainda é assustador o mistério da iniquidade que se manifesta em inúmeros
atos de desamor, de exploração e de abandono das verdades centrais da
nossa fé. Se não cuidamos, corremos o risco de achar que, no mundo de
hoje, ser um bom cristão pode parecer algo que está acima das nossas
forças. Contudo, como arautos da Boa Nova de Cristo, neste novo milênio,
temos que confessar que existe um mistério muito maior que o da
iniquidade. Intrepidamente, temos que afirmar ao nosso próximo que
“grande é o mistério da piedade!” (1 Tm 3,16).
O mistério da piedade nos conduz à reconciliação e à plena união com o
nosso Redentor e esse mistério se realiza quando aderimos aos projetos
de Deus que, em Cristo, assumiu a natureza humana para nos possibilitar a
redenção. Por amor, misericórdia e piedade por todos e cada um de nós,
Jesus Cristo nos faz perceber que, quando lutamos por um ideal, um
sólido objetivo, nós nunca somos derrotados. Ele exulta quando percebe
nosso arrependimento e nos ouve dizer: “Piedade, Senhor, piedade, pois
em vós se alegra a minha alma!” (Sl 56,2). Diante da nossa contrição,
Cristo se derrete em atos de misericórdia e de piedade e vai, aos
poucos, nos orientando sobre o que é melhor para nós e o que é melhor
para o bem do outro. Como sabemos, “quando Deus se pronuncia, fala de
coisas que têm a máxima importância para cada pessoa, para as populações
do século XXI, em não menos medida do que aquelas do século I. Os Dez
Mandamentos e as Bem-aventuranças falam da verdade e da bondade, da
graça e da liberdade, de tudo o que é necessário para entrar no Reino de
Cristo”. (Homilia do Papa João Paulo II, no Monte das Bem-aventuranças
em 24 de março de 2000).
Para fazer contraposição ao mistério da iniquidade, é necessário que
cada vez mais saibamos evitar todas as expressões do pecado e, por isso,
somos chamados a realizar frequentemente uma operação de limpeza em
nossas almas. Ao realizar uma boa operação de limpeza em nosso íntimo,
por meio da participação no sacramento da Volta, nós experimentamos o
poder da piedade divina que nos transforma em testemunhas da
misericórdia. Como testemunhas da misericórdia, de uma certa forma,
podemos dizer que tal qual um bom corretor ortográfico, o nosso Deus
está sempre nos interpelando: Livremente, você aceita a exclusão de
todos os atos de injustiça que lhe são propostos? Fielmente, você tem
sabido rejeitar tudo aquilo que lhe exclui da Minha graça? Docilmente,
você tem sabido controlar as alterações das tentações que cotidianamente
te cercam?
Fazendo bom uso das práticas de piedade que Deus nos propõe, nós
deletamos de nossas atitudes, tudo o que gera a morte ou os vícios e
preenchemos esse espaço com muitas obras de justiça e de santidade. Ao
aderir às sugestões e às correções que Deus nos faz no dia a dia,
estamos superando todas as falhas e combatendo todos os erros. Se formos
atenciosos, nós veremos que, quando achamos que é necessária uma
pequena pausa - uma vírgula - para realizar um breve exame de
consciência, Cristo vem ao nosso encontro e nos propõe uma pausa maior -
um ponto e vírgula ou dois pontos - para que possamos perceber o que
ainda nos afasta do Seu amor. Quando, por comodismo, nós achamos que os
nossos conhecimentos de fé são mais do que suficientes, o próprio Cristo
nos sacode e nos faz ver quantas lições de fé e quantas obras de
caridade há ainda a serem descobertas e realizadas. Ele também nos faz
ver que o poema ou a poesia da nossa vida na fé requer sempre uma nova
estrofe e um novo parágrafo. Cuidando com renovado esmero da
correspondência ao amor do nosso Deus, concretizamos as obras de piedade
que nos fazem ir à procura do próximo que está afastado da Casa do Pai,
professando: “O Senhor é piedade e retidão, e reconduz ao bom caminho
os pecadores!” (Sl 24,8).
Hoje e sempre, é imprescindível que saibamos aderir à piedade de Deus! É
urgente que sejamos conhecidos como testemunhas do mistério da piedade!
Por crer na piedade do Altíssimo, clamamos ao Senhor, utilizando as
palavras de Santo Afonso de Ligório: “Filho amado do Eterno,
apoderai-vos da minha liberdade, da minha vontade, de tudo o que é meu,
da minha própria pessoa e dai-vos a mim. Eu vos amo, eu vos busco, por
Vós suspiro e só a vós quero, sim só a Vós. Meu Jesus, fazei que eu seja
todo vosso!”. (Visitas a Jesus sacramentado e a Nossa Senhora). Fazei,
Senhor, que eu permaneça suplicando: “Meu Deus, tende piedade de mim!”
(Lc 18, 13).
Por Aloísio Parreiras
(Membro do Movimento de Emaús/Brasília)