Como vemos os nossos filhos?
Reflexões para a Festa da Sagrada Família
Pe. Anderson Alves
BRASíLIA, Sunday, 30 December 2012 (
Zenit.org).
Percebe-se
atualmente uma crise educativa cada vez mais intensa. De modo geral,
constata-se que o nível médio de educação diminui drasticamente e que o
processo formativo dos jovens enfrenta grandes dificuldades. As crianças
e os adolescentes aprendem cada vez menos; a autoridade dos professores
tende a desaparecer e os jovens, em meio a uma aparente energia,
sentem-se sós e desorientados. E isso numa época de incrível
desenvolvimento da Pedagogia. Nunca houve tantas pessoas que estudam
essa ciência e nunca tivemos tantas teorias pedagógicas como agora. No
Brasil a crise educativa é cada vez mais preocupante, embora tenha
eminentes pedagogos. Um recente estudo comparou a educação em 40 países e
mostrou que o Brasil (6ª Economia do mundo) ficou em 39º lugar na
educação, atrás de países como Singapura (5º), Romênia (32º), Turquia
(34º) e Argentina (35º)
[1]. Certamente uma das causas da atual
crise educativa no Brasil não é a falta de recursos, mas algo mais
profundo: não sabemos mais como ver e tratar os nossos filhos.
Até
a metade do século passado, tinhamos uma ideia bem clara sobre o que
eram os nossos filhos: acima de tudo, eram considerados um dom de Deus,
um presente que nos tinha sido dado para ser tratado com atenção,
carinho e muita resposabilidade. Os filhos eram visto como um dom divino
e a paternidade era considerada uma participação especial no poder
criador de Deus. De modo que os filhos eram tratados com respeito e a
vida era acolhida com alegria e generosidade.
Isso se deve ao fato de que nosso modo de viver até então era marcado
pelos ensinamentos da cultura judaico-cristã. Seguia-se o exemplo de
figuras como a de Ana (Cfr. 1 Sam. 1), uma mulher estéril que todos os
anos ia a um Templo de Israel prestar culto a Deus, e que, certa vez
teve a ousadia de pedir-lhe um filho. Depois que Deus escutara suas
ferventes orações, ela retornou ao Templo para agradecer o dom recebido e
para consagrar a vida daquele novo ser a Deus. Ana era plenamente
consciente de que a vida humana procede e retorna a Deus, para quem nada
é impossível.
A partir da “revolução” de 1968 uma nova cultura surgiu, na qual a
visão bíblica foi abandonada. S. Freud, na sua época, sonhava o dia em
que fosse separada a geração dos filhos da estrutura familiar, algo que a
partir de 68 vem se tornando frequente. Desde então, procura-se incutir
nos jovens a idéia de que os filhos são um obstáculo, algo que tolhe a
liberdade, a autonomia e que impede a realização pessoal. Os filhos
passam a ser considerados como uma ameaça e a gravidez como uma espécie
de doença, que deve ser evitada a todo custo. E às pessoas que não são
tão jovens, transmete-se a ideia de que os filhos são um “direito”.
Desse modo, os filhos passam a ser considerados ou como uma “ameaça” ou
como um “direito”, não mais como um dom. Daí surgem problemas sérios. Na
Inglaterra, por exemplo, esse ano um dos pedidos mais feitos ao “Papai
Noel” pelas crianças foi um pai; outro pedido comum foi, simplesmente,
ter um irmão. O risco atual é que os adultos passem a considerar os
próprios filhos como uma espécie de “mercadoria”, um sonho de consumo,
que deve ser realizado num momento perfeitamente determinado. Os filhos
são cada vez mais frutos de cálculos e não tanto do amor. E isso deixa
feridas graves nas crianças.
Deixar de considerar os filhos como um dom divino e tê-los
simplesmente como o resultado de uma técnica é um passo importante para a
desconfiguração das famílias e para arruinar a educação. De fato,
ocorre com frequência que os pais, paradoxalmente, procuram
“superproteger” os filhos, buscando livrá-los de qualquer perigo e, ao
mesmo tempo, não querem encontrar o tempo para dedicar-se à difícil
tarefa educativa dos mesmos. As crianças são enviadas cada vez mais cedo
às escolas e os professores devem se empenhar em transmitir valores que
as crianças deveriam ter recebido em casa.
E há ainda outro grave perigo: os adultos procuram ter filhos mais
para serem aprovados por eles, do que para transmitir um amor total,
gratuito e comprometido. Sejamos sinceros: muitas vezes, em nossas
famílias ocorre algo perverso: os pais se comportam como crianças,
lamentando-se da infância que tiveram, e os filhos se sentem obrigados a
comportarem-se como adultos
[2]. Com essa mudança de papéis
ninguém assume o a própria responsabilidade familiar, e isso se reflete
no rendimento dos jovens nas nossas escolas e Universidades.
Nesse ponto, podemos talvez voltar nosso olhar ao livro que formou a
civilização ocidental. O Evangelho conta-nos somente uma cena da
adolescência de Jesus e do seu “processo educativo”. Quando ele tinha 12
anos, foi levado ao templo por Maria e José para participar na festa da
Páscoa (Cfr. Lc 2). O jovem judeu quando cumpria essa idade iniciava a
ser considerado adulto na fé. Quando aquela familia deve retornar a
casa, Maria e José se destraem e Jesus, como verdadeiro adulto,
permanece no templo discutindo com os doutores da Lei. Quando ele é
reencontrado, Maria o repreende, mesmo sabendo que quem estava diante
dela não só era um “adulto” na fé, mas o mesmo Filho de Deus: “Meu
filho, que nos fizeste? Teu pai e eu te procurávamos cheios de aflição”.
E Jesus, depois de manifestar a plena consciência da sua identidade
divina (“não sabíeis que devo ocupar-me das coisas do meu Pai?”), volta à
casa com Maria e José e “era-lhes submisso em tudo”. Que
impressionante! Maria e José não fugiram de sua responsabilidade
educativa em relação àquele adolescente que sabiam ser o Filho de Deus; e
Jesus, sendo verdadeiro Deus, volta à casa com sua família,
obedecendo-lhes em tudo até os 30 anos. Vemos assim que na família de
Nazaré ninguém fugia da própria responsabilidade, uma vez que eram
unidos por um verdadeiro amor, o qual se demonstra na autoridade, na
humildade e no serviço e não no autoritarismo ou na indiferença.
Parece, portanto, que para se recuperar o sentido da verdadeira
educação, para se enfrentar à grave crise educativa atual, devemos
ajudar as famílias a considerarem a vida como um dom de Deus, a tratarem
os seus filhos com verdadeira diligência, não delegando toda a
responsabilidade educativa a outras pessoas ou intituições. A tarefa é
árdua, mas pode ser realizada, especialmente à luz da fé que por séculos
iluminou a nossa sociedade. Devemos voltar a seguir ao modelo da
Sagrada Família mais do que aos parâmetros contraditórios de uma
“revolução” que só trouxe ao mundo a exaltação do egoísmo, da
irresponsabilidade e o consequente aumento do sofrimento dos mais
débeis.
Pe. Anderson Alves é da diocese de Petrópolis – Brasil - e doutorando em Filosofia na Pontifícia Università della Santa Croce, em Roma.