quinta-feira, 15 de novembro de 2012


Ex-morador de rua se forma em Pedagogia na Universidade de Brasília

Da UnB Agência
Os olhos de Sérgio Reis Ferreira têm um brilho intenso; o sorriso é de inesperada candura; as mãos evidenciam sofrimentos passados e um discreto nervosismo. A tentação de enxergá-lo como herói é grande – mas qualquer tentativa de apreender Sérgio na superfície é imediatamente frustrada: é preciso muito tempo e generosidade para reler o longo e árduo caminho que este idiossincrático ex-morador de rua percorreu até aqui, ao gabinete do magnífico reitor da Universidade de Brasília nesse mês de novembro de 2012. Foi no primeiro dia de novembro, então, que – com um sorriso tímido - o mineiro Sérgio enfim pôde entregar nas mãos de José Geraldo de Sousa Junior a monografia que atesta a conclusão do curso de Pedagogia iniciado por ele na UnB há seis anos, em 2006.
Incomum – e contundente por sua própria natureza –, o ato de entrega da monografia As dificuldades dos moradores de rua do Distrito Federal de se inserirem por meio da educação formal representou ao mesmo tempo o triunfo de Sérgio e o da Universidade em si, já que o ineditismo do caso obrigou a instituição a se desdobrar para manter o estudante aqui após a surpreendente aprovação no primeiro vestibular de 2006.  “A universidade que não lida com isto – que não acompanha esse aluno proveniente de situação adversa em todas as circunstâncias, até que complete o seu ciclo – é que fracassa, e não ele”, disse José Geraldo, em referência à constante ameaça de descontinuidade que pairava sobre Sérgio durante os anos na UnB.
De fato, para que o aluno fosse aprovado, fez-se um pacto. O acordo – por meio do qual se definiu a responsabilidade de cada um – envolveu os diversos atores cruciais ao processo: o próprio Sérgio, evidentemente; o professor e orientador Cristiano Alberto Muniz; a assistente social da UnB Lindalva Leonel; e a decana de Assuntos Comunitários (DAC) Carolina Cássia, por meio da Diretoria de Desenvolvimento Social (DDS), capiteaneada pela diretora Maria Terezinha da Silva; entre muitos outros na gestão de José Geraldo e nas gestões anteriores, de Roberto Aguiar e Timothy Mulholland.
Institucionalmente, a Universidade colaborou para a permanência de Sérgio com apoio sob a forma de alimentação, transporte, assistência social, orientação pedagógica etc. “A Universidade cumpriu com o seu dever com relação a um aluno em situação de extrema vulnerabiliade – e talvez o nosso aluno mais vulnerável tenha sido de fato o Sérgio”, atesta a decana Carolina Cássia. Ela ressaltou a importância do trabalho da DDS, mas admitiu que, para lidar com um caso como este, professores e técnicos ainda têm muito a aprender. A experiência com Sérgio foi uma grande aula. Para a decana, o ex-morador de rua é uma figura emblemática: “O Sérgio vive a UnB”.
“De minha parte, tenho muito a agradecer a toda a equipe; à Universidade como um todo; e a todos os que puderam viabilizar este momento”, disse Sérgio durante o encontro com o reitor. “A educação não é só uma preparação para o trabalho, mas especialmente para a vida. É este o papel da Universidade – e isso ela cumpriu.”
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“Não estamos aqui em torno do personagem Sérgio – mas sim do sujeito que, sobretudo, saiu da condição de vítima e trouxe sua vida até aqui, realizando uma ultrapassagem”, disse o reitor José Geraldo, para quem Sérgio é “alguém que, mesmo numa situação adversa, confiou”: “Se chegamos até aqui, é porque ele quis assim”.

O reitor revelou que vem acompanhando atentamente a trajetória do aluno, e que sabe das dificuldades que o percurso representou não só do ponto de vista econômico, mas também nos aspectos subjetivo, social e intelectual. “Ainda assim, Sérgio nunca tentou me atingir pelo sentimentalismo”, disse o reitor. “A rua não é mais o seu lugar!”, disse a Sérgio, que agradeceu: “Obrigado mais uma vez por me fazerem crescer”.
O orientador
Diante do enorme desafio de levar seu orientando a concluir o curso de Pedagogia, o orientador de Sérgio, professor Cristiano Alberto Muniz, foi muito além do que normalmente se espera de um docente nesta função acadêmica. A gratidão estava evidente no olhar de afeto que Sérgio lançava ao seu antigo professor durante o encontro no gabinete do reitor.

“Todos os alunos que já passaram pela Universidade ajudaram a construí-la – mas no caso de Sérgio isso é ainda mais especial”, disse professor Cristiano, acrescentando, no entanto – como a decana Carolina Cássia –, que o caso “revela o quanto ainda estamos despreparados para esta abertura”. Para orientar Sérgio foi preciso crescer como professor e como pessoa. “Esta revolta que às vezes aparece em Sérgio é explicável: ela resulta de uma dimensão subjetiva que só ele pode entender”, disse, revelando compreensão, afeto e muito respeito pelo ex-orientando.
O momento de desligamento da Universidade guarda certa tensão para todos os envolvidos na reinserção social de Sérgio: ao sair da Universidade, o rompimento do vínculo com a academia guarda uma ameaça velada, mas evidente. “Ainda não cortamos os laços umbilicais”, revela a diretora do DDS, Maria Terezinha da Silva. “Se eu deixar de acreditar que um ser humano pode ser reinserido, tenho de abandonar minha profissão – e eu acredito, ainda que Sérgio tenha tido altos e baixos, mas nós não desistimos, e continuamos a não desistir.”
Nesse sentido, o grupo está apoiando Sérgio na tentativa de resgatar o contato com uma antiga dona de creche que o acolheu na infância, no Rio de Janeiro. Agora, um dos sonhos profissionais do formando em Pedagogia é reabrir a creche em novos moldes. “A Universidade não oferece apenas o conhecimento de sala de aula, e Sérgio está mais preparado para a vida, agora”, disse Terezinha.
Todos os presentes expressaram a confiança em Sérgio neste momento crucial de sua trajetória. Para encerrar a pequena cerimônia afetiva, a assistente social Lindalva Leonel – com seu comprometimento, uma das grandes responsáveis pela permanência de Sérgio na Universidade – preparou uma apresentação sobre o aluno, ao som de uma versão de Bittersweet Symphony, da banda britânica The Verve.
A MONOGRAFIA – A monografia As dificuldades dos moradores de rua do Distrito Federal de se inserirem por meio da educação formal pulsa com a narrativa simples – movida por sua evidente inteligência e por uma candente sinceridade ao narrar sua trajetória. O trabalho mereceu a menção máxima, mas que não se avalie haver aí qualquer ranço paternalista. “A Universidade não passou a mão na cabeça do Sérgio, ele fez valer este título. Este trabalho é o Sérgio: as fraquezas são fruto de sua história educacional, mas as conquistas são dele”, frisou professor Cristiano Muniz. Como não poderia deixar de ser, a defesa da monografia foi um momento de grande emoção: Sérgio discursou durante 45 minutos e “quase todo mundo chorou”, segundo os presentes.
Dedicada “a todos os moradores de rua do DF e a todos os que me ajudaram direta e indiretamente”, a monografia resgata o caso de Sérgio e de outros dois amigos em situação de igual vulnerabilidade social – um que conseguiu a inclusão e não mora mais na rua; e outro que, a despeito da grande capacidade crítica e conhecimento, não consegue entrar na universidade e ainda mora ao lado do restaurante Piantella, na Asa Sul. Na monografia, Sérgio faz também uma contundente crítica à Universidade.
“Acredito que a universidade idealiza o estudante perfeito e se esquece da complexidade da existência humana, pois quando vem mendigo morador de rua para dentro da universidade, vem também com estes as doenças, os vícios, a falta de disciplina e, naturalmente, a dificuldade de se adequar à rigidez acadêmica. Sendo assim, é a academia que, em um primeiro momento, tem que se adequar para receber estes estudantes até que se adaptem à academia. Falo isto por experiência própria, pois tive muito dificuldade para me adequar aos horários, às regras acadêmicas escritas e não escritas, a exigência de produção e, principalmente, para me adequar à cultura acadêmica, ou seja, a maneira de se falar e de se comportar em grupo”, diz Sérgio em sua monografia.
O formando comentou com o reitor sobre o árduo esforço por ajustar-se e aprender a se limitar pelos parâmetros comportamentais que regem a vida na UnB: “Eu não tinha condições de estar dentro dessa sociedade; tive de aprender a falar, a esperar, a me vestir, a me adequar à Universidade”, disse. O professor Cristiano concordou: “De fato, a liberdade inerente às ruas é um grande obstáculo ao enquadramento destes alunos na academia”.
A SAGA – As dificuldades que sempre permearam a vida de Sérgio Reis Ferreira são mais aterradoras do que se poderia imaginar – e vão dos maus tratos e do abandono experimentados na primeira infância em Ipatinga, Minas Gerais, à vida errante de adolescente nos corredores da execrável Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) e nas sujas ruas do Rio de Janeiro, passando pelos anos de sobrevivência na Rodoviária do Plano Piloto, em Brasília.
“Qual a perspectiva de quem mora na rua? De quem dorme ao relento, come as sobras dos restaurantes e consegue um trocado aqui e ali com esmola ou prestação de serviços? Como mudar a vida dessas pessoas? Sérgio Reis Ferreira, 29 anos, ex-morador de rua, descobriu um jeito de transformar seu destino. Resolveu estudar”, escreveu o recém-formado pedagogo em sua monografia. Em Brasília, acreditava que iria “encontrar com o presidente da República numa padaria e que ele resolveria os meus problemas”.
“Senti tudo na pele: frio; não fome, mas vontade de comer; e o fato de estar privado do mínimo necessário à vida em sociedade”, disse Sérgio, lembrando que, muitas vezes, guardava os livros sob um bueiro. “Eu me envergonhava de dizer aos colegas que meu material havia sido roído por ratos e baratas”, disse, reclamando que, “no Brasil, não há políticas públicas direcionadas a esta população de rua – não há bebedouros nem banheiros e as pessoas são obrigadas a buscar locais em que há água gratuitamente disponível”.
Mas o árduo caminho até a sala de aula não era feito apenas de percalços físicos – de longas caminhadas a pé, de banhos no Parque da Cidade e de roupas lavadas no Lago Paranoá: a “inclusão excludente” de Sérgio na Universidade o fazia sofrer intensamente, levando-o muitas vezes a abandonar o abrigo da instituição para sentir-se paradoxalmente acolhido pelas ruas. “Às vezes a discriminação doía, e eu chorava por saber que eu era o invasor”, revelou Sérgio.
Há quase três meses, uma fatalidade – em meio ao mar de outras adversidades – ameaçou impedir a formatura de Sérgio de forma radical: no dia 28 de agosto de 2012, ao tentar roubar do pedagogo uma quentinha, outro morador de rua o esfaqueou. A morte chegou perto, mas, como sempre, Sérgio sobreviveu. “Quanto à agressão física que quase me levou a óbito, eu somente aprendi uma dura lição: quando seres humanos ‘invisibilizados’ e silenciados pela sociedade – como os moradores de rua – lutam desesperadamente, eles utilizam até os meios mais vis e sorrateiros, no caso, a violência.”
No encontro com o reitor, Sérgio resumiu a surpreendente e notável trajetória com uma frase: “Eu não tinha mais nada em que me agarrar – só tinha a Universidade – e então me agarrei a ela com unhas e dentes”.

Caso Guarani-Kaiowá nos alerta da truculência dos tempos, diz antropóloga

“Despejar” índios de suas terras é uma prática recorrente no Brasil desde que os primeiros portugueses pisaram por aqui, cinco séculos atrás. Mas as expulsões arbitrárias e os extermínios violentos raras vezes mobilizaram de fato a sociedade civil, mesmo quando questões indígenas se tornaram pauta de governos, fundações, ONG’s etc.

Um dos capítulos mais recentes dessa história, no entanto, envolvendo os Guarani-Kaiowás no Mato Grosso do Sul, alcançou uma repercussão quase inédita no país, em tempos de internet e redes sociais. O motivo principal foi uma carta divulgada no último mês pelos índios, na qual eles falavam em “morte coletiva” no caso de despejo de suas terras.

Pertencentes a uma tribo já conhecida pelas altas taxas de suicídio, eles pediam que, se fosse para tirá-los de lá, era melhor decretar de uma vez por todas sua dizimação e extinção total. A Justiça Federal acabou suspendendo a decisão liminar que obrigava a saída dos cerca de 170 índios de uma área da fazenda Cambará, mas ainda não há uma resolução definitiva para o problema.

Para além dos fatos concretos, das ordens judiciais e decisões políticas imediatas, parece estar por trás do caso dos Guarani-Kaiowás, como de tantos outros, uma antiga intolerância e incompreensão do pensamento indígena. “Há ainda uma insuperada distância mantida com relação às formas ameríndias de conhecer e habitar o mundo”, afirma Marta Rosa Amoroso, professora do Departamento de Antropologia da USP.

Na busca de uma discussão mais aprofundada sobre o caso, fugindo do senso comum, a revista Brasileiros, 14-11-2012, entrevistou a antropóloga, pesquisadora e especialista em etnologia indígena.

Eis a entrevista.
Costumamos falar de manifestações como o racismo declarado nos EUA, o preconceito religioso ou a xenofobia na Europa como realidades completamente distantes da brasileira, já que tendemos a ver o País como “um lugar da tolerância, da miscigenação”. Quando vêm à tona questões como a dos Guarani-Kaiowás, no entanto, parece ficar clara a incapacidade que temos, aqui também, de conviver os “os outros”, de respeitar “os diferentes”. Guardadas as diferenças entre cada caso, você acha possível traçar um paralelo entre essas realidades? Quer dizer, a “base da incompreensão” é a mesma?

No caso dos países e regiões citadas, são projetos bastante distintos de construção da identidade nacional ou religiosa e, neste sentido, incomparáveis. Fiquemos, portanto com a particularidade do processo pelo qual se deu a construção da nação brasileira e o lugar que os índios ocuparam neste projeto. Foi com D. Pedro II que a ideia de uma nação brasileira se formulou e isso se fez a partir da noção da pluralidade dos povos que a compunham. Políticas públicas orientadas pela brandura para com os índios conceberam ainda no século XIX os aldeamentos indígenas do Império, equipados pelo governo central para servirem de comunicação entre a sede do Império e as povoações indígenas, instituídas enquanto as fronteiras habitadas da nação. As aldeias dos Guarani-Kaiowá, Nandeva e Mbya, como também as dos Kaingang da região sudeste do Brasil – hoje palco de intensa disputa pelo agronegócio – fornecem neste sentido um excelente exemplo de fronteiras do Brasil habitadas por indígenas. Na Guerra do Paraguai essas aldeias indígenas serviram de base para a criação dos aldeamentos do Império, dispostos na fronteira e equipados para atender os povos indígenas garantindo a eles espaço, tanto no território como no projeto da nação. Os índios estavam ali, o Estado brasileiro reconhecia, e os índios continuam ali.

O que mudou, e entramos no tema da intolerância, foi a lentidão da resposta do Estado brasileiro para as demandas por terra dos povos indígenas do sudeste do país. Nos anos1990, a demarcação das terras indígenas motivada pela questão ambientalista voltou-se para a Amazônia, deixando o sudeste indígena sem um programa sistemático de identificação e demarcação das terras. Este processo que se inicia em alguns casos só agora, é mais do que aguardado e urgente. Os Kaiowá-Guarani do sudeste do país foram deixados sem garantias e protagonizaram ali, sem a devida proteção do Estado, a luta pela terra, em meio a imensas disputas.

Nesse sentido, mesmo em muitas das manifestações de apoio aos índios que proliferam na internet, nota-se um ranço de uma visão “etnocêntrica”. Um certo olhar de “pena” às vezes se sobrepõe à uma discussão mais horizontal. Você concorda? Se sim, o que isso parece revelar?

Não podemos reduzir o imaginário construído sobre os povos ameríndios a esse tipo de visão na qual o índio é vítima, ainda que a leitura da assimetria na chave da desigualdade social seja facilmente acessada pelo senso comum. Os índios aderiram às redes sociais e protagonizam movimentos políticos que ocupam as nuvens da internet com outro tipo de mensagem, colocada à disposição dos que se interessam pelas dinâmicas contemporâneas.  Mas no caso dos índios do sudeste e de sua luta bastante antiga pela garantia do seu território, penso que associá-los a população de risco em situação liminar não é nada descabido, e neste sentido a comoção que essa luta mobilizou não me parece exagerada.

Você acha, portanto, que existe uma dificuldade (ou mesmo uma falta de vontade) de entender o ponto de vista indígena? Ou seja, o típico pensamento do “homem branco ocidental” de que “nós sabemos o que é bom para eles” ainda predomina?

Há ainda uma insuperada distância mantida com relação às formas ameríndias de conhecer e habitar o mundo. Este não reconhecimento da diferença pode estar por trás de muitos dos projetos de filantropias e programas de desenvolvimento voltados para os índios. Novamente o caso dos Guarani é sugestivo para se pensar o tema da construção do conhecimento em diferentes chaves de compreensão. Para falar de sua territorialidade, os Guarani mobilizam uma noção ampla e compreensiva dos diversos domínios do cosmos que é a noção do Tekoha. Diante dessa macro categoria, símbolo do universo em conexão, as cestas básicas e os assistencialismos rastaqueras que são aventados como compensação aos territórios surrupiados são uma boa medida da distância que se manteve das formas ameríndias de conhecer e habitar o mundo.

Ao mesmo tempo, a enorme mobilização ocorrida nas redes sociais, e até manifestações de rua, mostram uma novidade no quadro, com muita gente que não tem interesses diretos agindo pela causa…

De fato a comoção tomou dimensões surpreendentes nestes tempos de baixíssimas mobilizações pró-índio. Como se precisássemos de imagens contundentes como as dos Guarani-Kaiowá para nos alertar da truculência dos tempos.

Agora, tentando entender melhor o ponto de vista dos índios: quando falamos em luta pela terra, muita gente parece não entender que a visão dos índios não é como a nossa, da luta pela propriedade privada. Claro que cada tribo é diferente da outra, mas, de modo geral, como é a relação do índio com a terra onde mora? Não é de posse, certo?

Sugiro que a reportagem acesse uma imagem panorâmica da região do oeste do Paraná e do sul do Mato Grosso do Sul e nela identifique onde se pratica o modo de vida Guarani , em contraste com as outras formas de cultivo da terra. Já na época da demarcação das terras indígenas na Amazônia havia ficado claro que onde os povos ameríndios mantiveram a presença, a floresta havia se mantido. Estas imagens projetadas na paisagem nos falam, no caso dos povos indígenas, de modelos sócio-políticos baseados em dinâmicas de mobilidade constante e de uma cosmovisão pautada pelo comedimento e pela ética de moderação identificável nos regimes de relação com o que identificamos como “ambiente”, que para os ameríndios não se apresenta como algo apartado.

Na nossa sociedade, o suicídio é visto como a decisão mais “pessoal” e “individual” de todas. Quando os índios falam, na carta que veio a público, em um tipo de suicídio coletivo – ou de morte do povo por resistência –, chama atenção a profunda ligação deles com a comunidade e o modo com que colocam suas vidas à disposição dessa causa. Qual é essa concepção de mundo que eles transmitem no conteúdo desta carta?


A carta veicula uma auto-reflexão dos Guarani-Kaiowá sobre as práticas de suicídio entre os jovens Guarani-Kaiowá, auto-reflexão esta motivada pela intenção das lideranças indígenas de alertar os brasileiros sobre outro conjunto de mortes, os assassinatos de índios naquelas fronteiras. Sintomaticamente, é o fenômeno do suicídio que a organização indígena mobiliza para falar ao Brasil da situação agônica que os Guarani-Kaiowá vivem na luta pelo direito à terra. (Fonte: CIMI)

COMENTÁRIO
Tentaram destruir os povos indígenas com a "descoberta" do Brasil. A grande ambição dos índios é viver e respeitar tudo aquilo que pertence a natureza porque eles se sentem parte da natureza. A luta continua: os índios em defesa da vida e os invasores em defesa da riqueza.

Reflexão

Tome cuidado com a sua vida, porque talvez ela possa ser o único Evangelho que o teu irmão irá escutar" (São Francisco de Assis)

A gratidão

A gratidão revela um coração sensível e reconhecido pela bondade e solidariedade do nosso semelhante. Ninguém é feliz sozinho.(Dom Mauro Morelli)

Cultive a paz

Cultivando a paz aprendemos a não fazer guerra ou a entrar nos jogos da guerra. Quem vomita suja a si mesmo. Ser pacifico não é ser apático.(Dom Mauro Morelli)

Bispo Dom Pedro Casaldáliga é ameaçado por invasores de Marãiwatsédé

Inserido por: Administrador em 14/11/2012.
Fonte da notícia: Comissão Pastoral da Terra
 
A novela da Terra Indígena (TI), de Marãiwatsédé, localizada em Alto Boa Vista, Mato Grosso, dos Xavante, cada dia tem novos capítulos. No início da semana passada, um grupo formado por mulheres, fez manifestações na Praça dos Três Poderes, em Brasília e invadiram a pista em frente ao Palácio do Planalto, bloqueado o trânsito por alguns minutos.
                          
Elas buscavam reverter decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que derrubara liminar do Tribunal Regional Federal (TRF 1ª), qual suspendia decisão judicial de desintrusão (retirada dos não-indígenas) da área. 
No retorno de Brasília, no dia 9, irritados e raivosos por não terem conseguido o que queriam, tais manifestantes falavam, sem se preocupar com os demais passageiros do ônibus, contra os índios e a Prelazia de São Félix do Araguaia. A certa altura um disse: “A gente sabe que tudo isso é culpa do Bispo Pedro, mas vamos resolver isso bem fácil, a gente vai fazer uma visitinha para ele”.
As ameaças não são novidades, mas esta adquire um caráter mais grave, pois os invasores da área indígena, depois de conseguirem, por quase duas décadas criar todos os embargos judiciais possíveis contra sua retirada, agora estão desesperados, pois o desfecho se aproxima. 
No dia 3 de novembro, o filho do cacique Damião ao retornar de Barra do Garças, onde tinha ido deixar indígenas para tratamento, foi  perseguido por dois carros dirigidos por pessoas que ele reconhecera serem do Posto da Mata, núcleo da invasão do território indígena Marãiwatsédé. Mais adiante outros três carros teriam tentando cercar e parar o veículo dirigido por ele. Ao tentar escapar da perseguição, o carro capotou, ficando o indígena desacordado. Caminhoneiros que trafegavam pelo local socorreram o motorista. O veículo acabou sendo queimado pelos perseguidores.
A história das agressões contra os Xavante de Marãiwatsédé se prolonga por quase meio século.  Seu território foi ocupado, no indicio da década de 1960. Nas imediações da aldeia foi erguida a sede da Fazenda Suiá Missu, em 1962. Em 1966, os índios foram arrancados de sua terra e despejados em outra aldeia a 400 kms. 
Em 1980, a Suiá Missu foi vendida para uma empresa italiana que, durante a Rio/92, pressionada por entidades brasileiras e italianas, se comprometeu a devolver aos Xavante 165.000 hectares.  
Isto provocou revolta em fazendeiros e políticos locais que, ainda em 1992, organizaram a invasão da área ficando com as maiores e melhores terras e buscando famílias de sem-terra ou posseiros para ocupar o restante, para dizer que a terra tinha uma destinação social. 
Em 1993, a área foi declarada Terra Indígena. Em 1998, já demarcada, foi homologada por decreto do presidente da República. Mesmo assim, os Xavante só voltaram em 2004, promovendo uma ocupação do seu próprio território.  
Desde 1995, medidas judiciais determinando ora a desintrusão da área, ora a suspensão da sentença, foram se sucedendo. Em 2012, quando a Funai e o Ministério Público Federal (MPF) já tinham apresentado à Justiça o plano de desintrusão para ser iniciado em  outubro, um juiz do TRF-1, em 13 de setembro, determinou a suspensão da ação. Finalmente, em 17 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu essa liminar e a Justiça Federal deu início, em 6 de novembro, à entrega das intimações para a retirada dos ocupantes ilegais da terra indígena. Uma força tarefa, com apoio da Força Nacional, Polícia Federal e Exército, está na área para a efetivação da decisão judicial. 
A Coordenação Nacional da CPT se alegra com o desfecho deste caso, não sem antes observar a diferença de tratamento dispensado aos grupos indígenas e a outras comunidades tradicionais, em comparação à propriedade. O de Marãiwatsédé é emblemático. Os direitos dos povos indígenas e demais comunidades primitivas são apenas tolerados, mas para que se tornem efetivos, o caminho a percorrer é árduo e longo.
O prolongamento indefinido da solução de conflitos parece ser uma estratégia para minar a resistência das comunidades. Multiplicam-se ao extremo os recursos judiciais, nega-se a autenticidade dos documentos, põem-se sob suspeição os autores de laudos antropológicos e outras ações do gênero. Encontram-se milhares de subterfúgios legais, admitidos pela justiça, para que os processos, sobretudo os de reconhecimento territorial, não andem.
Por outro lado, os processos que envolvem o “direito de propriedade” são de uma agilidade impressionante. Muitas vezes sem se exigir documentos que comprovem a propriedade legal e sem ouvir os que serão afetados, são emitidas liminares de reintegração de posse que rapidamente são executadas usando-se para isso todo o aparato coercitivo do Estado. 
A Coordenação Nacional da CPT parabeniza os Xavante de Marãiwatséde pela sua persistente luta de resistência, e apresenta à Prelazia de São Felíx do Araguaia e de modo todo particular a seu bispo emérito, Dom Pedro Casaldáliga, sua solidariedade, sobretudo neste momento em que ataques e ameaças se sucedem.

Goiânia, 14 de novembro de 2012

Por que fome na face da terra?

Enquanto alimento for convertido em moeda, haverá fome e degradação ambiental na face da terra. 
(Dom Mauro Morelli)