A corrupção pode começar no seu voto
entrevista com Leonardo Valles Bento, publicada na edição nº 431, outubro de 2012.
Leonardo Valles Bento
professor de Direito e analista de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União. leonardo.bento@cgu.gov.br
Podemos sonhar com outras formas de democracia para a nossa sociedade,
talvez com uma participação mais direta dos cidadãos. Porém, enquanto a
organização política tiver a forma representativa, precisamos fazer
escolhas com muito cuidado e atenção. Com tanta possibilidade de acesso à
informação, não podemos continuar elegendo políticos que só querem
tirar proveito próprio de seus cargos.
Se somos nós que escolhemos nossos representantes, somos nós os responsáveis pelos acertos e desvios que eles cometem.
Se somos nós que escolhemos nossos representantes, somos nós os responsáveis pelos acertos e desvios que eles cometem.
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Temos a sensação de que vivemos em um país corrupto. É assim mesmo?
Realmente temos essa
percepção de uma corrupção generalizada. Só que existe um equívoco sobre
o qual eu gosto de advertir as pessoas: não associar a corrupção com
problema cultural. Ou seja, não ter a ideia de que a corrupção no Brasil
é algo cultural. Porque corrupção existe em todos os países do mundo.
Quando uma pessoa diz que o Brasil tem uma cultura de corrupção, ela
acha que está sendo muito profunda, mas na verdade está revelando uma
certa perplexidade diante de um problema que ela não consegue abarcar e
acha que não tem solução. O fato é que a corrupção tem causas bem
objetivas, bem simples de se identificar, e está relacionada com falhas
no processo em órgãos, falhas nas regras, na forma como as decisões são
tomadas. Ou porque existe pouca transparência, ou porque pouca gente
participa desse processo, porque pessoas decidem a portas fechadas sem
prestar contas daquilo que fazem.
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Há também outras formas de corrupção nas administrações?
Existe a baixa corrupção, que
é aquela que acontece com o guarda do trânsito que pede uma propina
para não dar uma multa, e existe a alta corrupção, que são os grandes
esquemas. Nos políticos, o que existe é a corrupção para financiar a
própria máquina eleitoral partidária.
Umas das coisas que temos que perceber é o seguinte: para onde vai o
dinheiro da corrupção? Além de enriquecer, é claro, as pessoas
corruptas, a maior parte da corrupção é para financiar as campanhas
eleitorais, que, no Brasil, são extremamente caras.
Existem duas moedas de troca nesse esquema: os cargos em comissão e as
emendas de orçamento. Como funcionam? Os cargos em comissão são a forma
como o governo consegue o apoio político no atacado. Consegue montar uma
base aliada com outros partidos: entrega alguns setores do governo a
determinados partidos. Outra é a troca de favores, esse clientelismo que
começa lá na base, no corpo a corpo com o eleitor. Existe uma corrente
de transmissão que vai levar até Brasília, até a distribuição de
ministérios, que precisa pagar tudo isso.
Então seria muito interessante se a população percebesse o estrago que
causa sempre que pede um favor para os candidatos. Porque o dinheiro que
vai pagar o voto dela, que vai pagar o saco de cimento, a gasolina, os
"favores" que o candidato faz, vai sair da merenda escolar, do dinheiro
destinado à saúde, da assistência social, causando um prejuízo de longo
prazo no desenvolvimento.
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A corrupção, então, está relacionada ao desenvolvimento do país?
Sim, temos que entender o
combate à corrupção não como uma cruzada moralista, mas como uma
estratégia de desenvolvimento. Na verdade é de um modo bem simples: se a
corrupção não prejudicasse o desenvolvimento humano, se não aleijasse a
política pública, se não estivesse na origem da desigualdade social, da
pobreza, enfim, se a corrupção não tivesse relação com todas essas
mazelas, não haveria o menor sentido de se estudar a corrupção.
Então na questão do orçamento é uma coisa muito clara. Você tem um
sistema de abastecimento de água numa população rural, que é muito bom
para ela. Mas por que esse dinheiro foi liberado? Não é só porque o
governo federal acha que a água é importante para aquela comunidade, mas
também é uma questão de estratégia, é que o convênio, o contrato de
repasse para construir aquele sistema, é uma questão estratégica. O
governo pode ter liberado aquela emenda porque precisava do apoio do
deputado que propôs o projeto.
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Qual é o papel da Controladoria-Geral da União?
A Controladoria é o órgão
central de controle interno do Poder Executivo Federal. Ela controla
todo o dinheiro público que é do Executivo. Agora, a Controladoria
acabou se tornando dentro do governo federal o principal agente de
combate à corrupção, e nós fazemos auditoria nos órgãos públicos.
A CGU está dividida em quatro setores: existe a parte de Auditoria e de
Fiscalização, e a parte de Corregedoria, que é a que pune servidores
federais que cometem alguma falta grave. Desde que a CGU foi criada, em
1993, já foram demitidos aproximadamente 3.500 servidores federais, e
outros que tiveram sua aposentadoria cassada. Existe também um setor de
Ouvidoria, que é para receber reclamações e denúncias, e nós temos uma
área que é de Prevenção da corrupção.
A CGU está presente em todos os estados. E tem dois programas muito
importantes: o programa Olho Vivo no Dinheiro Público, que se destina a
sensibilizar a comunidade de que o combate à corrupção não pode ser
feito só pelo governo, mas é fundamental a participação do cidadão. E
tem um programa de Capacitação de Gestores, que busca fortalecer a
Gestão Pública para capacitar servidores de municípios. Pequenos
municípios se queixam às vezes que erram ou que cometem alguma
irregularidade não por má fé, mas por desconhecimento da Legislação.
Nos municípios, a CGU fiscaliza o dinheiro que a União repassa. São
várias operações que acontecem junto com a Polícia Federal, e que
começaram lá na fiscalização do município e que conseguiram desbaratar
quadrilhas de responsáveis pelo desvio de dinheiro público.
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Que outras iniciativas a CGU toma para coibir a corrupção?
A vitrine da CGU é o Portal
da Transparência. A ONU já premiou o Brasil por essa iniciativa de
divulgar, quase que em tempo real, todos os gastos do governo federal,
aquilo que ele gasta diretamente no repasse para os municípios. E isso
resultou numa onda de transparência. Foi aprovada a Lei Capiberibe, de
2008, que obriga União, estados e municípios a terem seus próprios
portais de transparência. Então a iniciativa virou regra.
A CGU tem várias iniciativas: projeto de lei para regulamentar
atividades de lobby, que ainda está tramitando, para regulamentar o
conflito de interesses na administração pública, que é aquela coisa de a
autoridade pública receber favores, brindes e presentes, participar de
eventos, festas e encontros.
A CGU participou de forma muito decisiva para dar novas legislações nos
convênios. O marco regulatório do terceiro setor é da década de 1990,
mas a CGU tem outras iniciativas. Por exemplo, as prefeituras que
recebem verba da União já não podem mais nem sacar o dinheiro em espécie
e nem podem mais usar cheque: pagamento de fornecedor tem que ser feito
mediante crédito em conta, conta a conta, com transferência bancária
que permita identificar quem recebeu. Antes, a prefeitura sacava o
dinheiro e pagava, e você só conseguia saber pelo extrato que houve o
saque. Só tinha um recibo de controle ou uma nota fiscal, mas não dava
para saber se aquilo era comprado ou não. Com o crédito em conta, é
possível verificar exatamente a pessoa que recebe.
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Quais seriam as estratégias coletivas e individuais para a superação desse cenário de corrupção?
Todo mundo pode fazer alguma
coisa. Em primeiro lugar, é preciso conhecer o que existe na sua cidade,
no seu bairro. No bairro, na cidade, existem pessoas, organizações e
uma associação de moradores, por exemplo. Participe ali. Há toda uma
vida política na sociedade. Se você tem tempo, se conhece pessoas que
querem trabalhar com você, tente criar ONGs, como teve aquela em
Ribeirão Bonito, SP, que conseguiu cassar um prefeito e vários
vereadores.
São iniciativas pelas quais se pode acompanhar o que acontece na
sociedade, pedir informações, pedir explicações, ir nas reuniões da
Câmara de Vereadores, saber o que acontece na comunidade.
Em todas as comunidades existem os conselhos. Tem o Conselho da Merenda
Escolar, de Saúde, do Fundeb, do Bolsa- Família, do PET, de Assistência
Social, de Educação, e eles têm que representar setores. Eles têm
legitimidade. Basta saber o que existe na sua cidade e começar a
participar.(fonte: Mundo Jovem)