PEDAGOGIA
Jean-Jacques Rousseau
Em sua obra sobre educação, o pensador suíço prega o
retorno à natureza e o respeito ao desenvolvimento físico e cognitivo
da criança
Texto
Márcio Ferrari
Foto: Wikimedia Commons
Rousseau retratado pelo pintor escocês Allan Ramsay
Frases de Jean-Jacques Rousseau:
"A instrução das crianças é um ofício em que é necessário saber perder tempo, a fim de ganhá-lo"
"Que a criança corra, se divirta, caia cem vezes por dia, tanto melhor, aprenderá mais cedo a se levantar"
Jean-Jacques
Rousseau nasceu em Genebra, Suíça, em 1712. Sua mãe morreu no parto.
Viveu primeiro com o pai, depois com parentes da mãe e aos 16 anos
partiu para uma vida de aventureiro. Foi acolhido por uma baronesa
benfeitora na província francesa de Savoy, de quem se tornou amante.
Converteu-se à religião dela, o catolicismo (era calvinista). Até os 30
anos, alternou atividades que foram de pequenos furtos à tutoria de
crianças ricas. Ao chegar a Paris, ficou amigo dos filósofos iluministas
e iniciou uma breve mas bem-sucedida carreira de compositor. Em 1745,
conheceu a lavadeira Thérèse Levasseur, com quem teria cinco filhos,
todos entregues a adoção - os remorsos decorrentes marcariam grande
parte de sua obra. Em 1756, já famoso por seus ensaios, Rousseau
recolheu-se ao campo, até 1762. Foram os anos em que produziu as obras
mais célebres (Do Contrato Social, Emílio e o romance A Nova Heloísa),
que despertaram a ira de monarquistas e religiosos. Viveu, a partir daí,
fugindo de perseguições até que, nos últimos anos de vida, recobrou a
paz. Morreu em 1778 no interior da França. Durante a Revolução Francesa,
11 anos depois, foi homenageado com o translado de seus ossos para o
Panteão de Paris.
Na história das idéias, o nome do suíço
Jean-Jacques Rousseau (se liga inevitavelmente à Revolução Francesa. Dos
três lemas dos revolucionários - liberdade, igualdade e fraternidade -,
apenas o último não foi objeto de exame profundo na obra do filósofo, e
os mais apaixonados líderes da revolta contra o regime monárquico
francês, como Robespierre, o admiravam com devoção.
O princípio
fundamental de toda a obra de Rousseau, pelo qual ela é definida até os
dias atuais, é que o homem é bom por natureza, mas está submetido à
influência corruptora da sociedade. Um dos sintomas das falhas da
civilização em atingir o bem comum, segundo o pensador, é a
desigualdade, que pode ser de dois tipos: a que se deve às
características individuais de cada ser humano e aquela causada por
circunstâncias sociais. Entre essas causas, Rousseau inclui desde o
surgimento do ciúme nas relações amorosas até a institucionalização da
propriedade privada como pilar do funcionamento econômico.
O
primeiro tipo de desigualdade, para o filósofo, é natural; o segundo
deve ser combatido. A desigualdade nociva teria suprimido gradativamente
a liberdade dos indivíduos e em seu lugar restaram artifícios como o
culto das aparências e as regras de polidez.
Ao renunciar à
liberdade, o homem, nas palavras de Rousseau, abre mão da própria
qualidade que o define como humano. Ele não está apenas impedido de
agir, mas privado do instrumento essencial para a realização do
espírito. Para recobrar a liberdade perdida nos descaminhos tomados pela
sociedade, o filósofo preconiza um mergulho interior por parte do
indivíduo rumo ao autoconhecimento. Mas isso não se dá por meio da
razão, e sim da emoção, e traduz-se numa entrega sensorial à natureza.
Dependência das coisas
Rousseau
via o jovem como um ser integral, e não uma pessoa incompleta, e intuiu
na infância várias fases de desenvolvimento, sobretudo cognitivo. Foi,
portanto, um precursor da pedagogia de Maria Montessori (1870-1952) e
John Dewey (1859-1952). "Rousseau sistematizou toda uma nova concepção
de educação, depois chamada de escola nova e que reúne vários
pedagogos dos séculos 19 e 20", diz Maria Constança.
Para
Rousseau, a criança devia ser educada sobretudo em liberdade e viver
cada fase da infância na plenitude de seus sentidos - mesmo porque,
segundo seu entendimento, até os 12 anos o ser humano é praticamente só
sentidos, emoções e corpo físico, enquanto a razão ainda se forma.
Liberdade não significa a realização de seus impulsos e desejos, mas uma
dependência das coisas (em oposição à dependência da vontade dos
adultos). "Vosso filho nada deve obter porque pede, mas porque precisa,
nem fazer nada por obediência, mas por necessidade", escreveu o
filósofo.
Um dos objetivos do livro era criticar a
educação elitista de seu tempo, que tinha nos padres jesuítas os
expoentes. Rousseau condenava em bloco os métodos de ensino utilizados
até ali, por se escorarem basicamente na repetição e memorização de
conteúdos, e pregava sua substituição pela experiência direta por parte
dos alunos, a quem caberia conduzir pelo próprio interesse o
aprendizado. Mais do que instruir, no entanto, a educação deveria, para
Rousseau, se preocupar com a formação moral e política.
Bom selvagem
Até
aqui o pensamento de Rousseau pode ser tomado como uma doutrina
individualista ou uma denúncia da falência da civilização, mas não é bem
isso. O mito criado pelo filósofo em torno da figura do bom selvagem - o
ser humano em seu estado natural, não contaminado por constrangimentos
sociais - deve ser entendido como uma idealização teórica. Além disso, a
obra de Rousseau não pretende negar os ganhos da civilização, mas
sugerir caminhos para reconduzir a espécie humana à felicidade.
Não
basta a via individual. Como a vida em sociedade é inevitável, a melhor
maneira de garantir o máximo possível de liberdade para cada um é a
democracia, concebida como um regime em que todos se submetem à lei,
porque ela foi elaborada de acordo com a vontade geral. Não foi por
acaso que Rousseau escolheu publicar simultaneamente, em 1762, suas duas
obras principais, Do Contrato Social - em que expõe sua concepção de
ordem política - e Emílio - minucioso tratado sobre educação, no qual
prescreve o passo-a-passo da formação de um jovem fictício, do
nascimento aos 25 anos. "O objetivo de Rousseau é tanto formar o homem
como o cidadão", diz Maria Constança Peres Pissarra, professora de
filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. "A dimensão
política é crucial em
seus princípios de educação."
Não há
escola em Emílio, mas a descrição, em forma vaga de romance, dos
primeiros anos de vida de um personagem fictício, filho de um homem
rico, entregue a um preceptor para que obtenha uma educação ideal. O
jovem Emílio é educado no convívio com a natureza, resguardado ao máximo
das coerções sociais. O objetivo de Rousseau, revolucionário para seu
tempo, é não só planejar uma educação com vistas à formação futura, na
idade adulta, mas também com a intenção de propiciar felicidade à
criança enquanto ela
ainda é criança.
Método natural e educação negativa
Rousseau
dividiu a vida do jovem - e seu livro Emílio - em cinco fases:
lactância (até 2 anos), infância (de 2 a 12), adolescência (de 12 a 15),
mocidade (de 15 a 20) e início da idade adulta (de 20 a 25). Para a
pedagogia, interessam particularmente os três primeiros períodos, para
os quais Rousseau desenvolve sua idéia de educação como um processo
subordinado à vida, isto é, à evolução natural do discípulo, e por isso
chamado de método natural. O objetivo do mestre é interferir o menos
possível no desenvolvimento próprio do jovem, em especial até os 12
anos, quando, segundo Rousseau, ele ainda não pode contar com a razão. O
filósofo chamou o procedimento de educação negativa, que consiste, em
suas palavras, não em ensinar a virtude ou a verdade, mas em preservar o
coração do vício e o espírito do erro. Desse modo, quando adulto, o
ex-aluno saberá se defender sozinho de tais perigos.
Para pensar
Por
incrível que pareça, Rousseau, ao criar o mito do bom selvagem, acabou
dando argumentos para negar a importância ou o valor da educação.
Afinal, a educação é antes de tudo ação intencional para moldar o homem
de acordo com um ideal ou um modelo que a sociedade, ou um segmento
dela, valoriza. A educação aceita a natureza, mas não a toma como
suficiente e boa em princípio. Se tomasse, não seria necessária... Se
você comparar, por exemplo, as idéias de Rousseau e as de Émile Durkheim
(1858-1917), verá que, nesse sentido, eles estão em extremos opostos.
Para o sociólogo francês, a função da educação era introduzir a criança
na sociedade.