sábado, 13 de outubro de 2012

A vida com sabedoria

13/10/2012 | Paulo Mendes Peixoto * Alguns valores são fundamentais para a história de nossa vida. Entre eles citamos o dom da sabedoria, que vem do alto, de Deus. A sabedoria divina, para ser praticada, exige de nós renúncias, que a cultura atual, muito marcada pelo modelo consumista e capitalista, não está disposta a assumir. Isto supõe coragem e desprendimento da pessoa.
Ser sábio é contrapor à ideologia de dominação, de perseguição e de oportunismo para conseguir poder e prazer, podendo desfrutar dos bens gananciosamente, perseguindo as práticas do justo. As atitudes de autossuficiência excluem o valor da sabedoria divina, colocando toda sua força naquilo que é realização sem a presença de Deus.
A vida assumida com sabedoria faz a pessoa ser justa e a reconhecer a Deus como Pai. Sabe que sua existência não está resumida apenas no gozo do momento, mas tem uma dimensão de eternidade, de felicidade duradoura no seio do Criador. Esta foi a sabedoria pedida por Salomão, rei de grande sabedoria, mas que conseguir reconhecer sua humanidade, submissa aos princípios divinos.
A sabedoria está acima do poder e da riqueza. Ela é mãe e mestra das coisas, capaz de proporcionar equilíbrio no nosso agir e no valor que damos às realidades. Seu brilho faz com que reconheçamos, com mais precisão, o que é valor absoluto e o que é relativo, trazendo serenidade no agir. Sábio é quem consegue enxergar no mudo prático a presença das forças divinas e as valoriza.
Para o profeta Isaías, a verdadeira sabedoria é dom de Deus, acompanhada por outros dons que a fortalecem. Destacamos a inteligência, o conselho, a fortaleza, a capacidade de conhecimento, o temor do Senhor e o espírito com que tudo isto é colocado em prática (Is 11, 2). Toda esta riqueza supõe um coração sensível, simples, autêntico e aberto para essas realidades.
O acúmulo nunca é bênção de Deus, portanto não é expressão de sabedoria. Ele tira a condição de liberdade, sabedoria e justiça. Não passa de atitude egoísta, contrária à relação de justiça e fraternidade. Temos que vencer o empecilho, o apego aos bens materiais.
* Dom Paulo Mendes Peixoto é arcebispo de Uberaba (MG).
Fonte: www.cnbb.org.br


CIMI publica mensagem de repúdio ao Projeto de Lei nº 1610, de 1996.

13/10/2012 | Cimi A proposta "dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas, de que tratam os artigos 176, parágrafo primeiro, e 231, parágrafo terceiro, da Constituição Federal".
Leia a mensagem:
Essa terra tem dono: mineração assim não!
Cimi se manifesta contra tramitação e substitutivo ao PL 1610/1996
O Conselho Indigenista Missionário, Cimi, vem a público manifestar extrema preocupação e absoluto repúdio frente à proposta de substitutivo ao Projeto de Lei 1610/96, que dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas, disponibilizada pelo deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR), relator da Comissão Especial da Câmara que trata do tema.
O Cimi entende que a tramitação açodada da matéria e o teor do substitutivo em questão seguem na mesma esteira de um conjunto de instrumentos legislativos e administrativos que vem sendo intensivamente usados pelos setores anti-indígenas e pelo governo brasileiro para invadir, explorar e mercantilizar as terras indígenas. O intuito é um só: implementar o desenvolvimentismo agro-extratitivista exportador e aprofundar a territorialização e a acumulação do capital.
O Cimi considera o substitutivo apresentado pelo deputado Édio Lopes flagrantemente inconstitucional, um acúmulo de equívocos e arbitrariedades que desconstroem os direitos dos povos e beneficiam exclusivamente as empresas potenciais mineradoras das terras indígenas.
Dentre os inúmeros absurdos do substitutivo, chamamos a atenção para os seguintes aspectos:
1- "Qualquer interessado" poderá requerer ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) o direito de minerar qualquer terra indígena no Brasil. Este elemento associado à anulação de todos os direitos minerários em terras indígenas, concedidos antes da promulgação da nova lei, deverá provocar uma verdadeira "corrida" de não-índios às terras indígenas do país.
2- O direito de consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas é reduzido a mero ato formal, denominado "consulta pública". Inclusive às comunidades indígenas presentes na terra pretendida para exploração mineral "poderão participar" da consulta. No entanto, a vontade dos povos não terá qualquer influência sobre a continuidade do processo de exploração mineral na própria terra.
3- Junto com o desrespeito ao direito de Consulta e na contramão dos preceitos Constitucionais, o substitutivo reaviva a figura da tutela sobre os povos indígenas. Caso não haja concordância "das comunidades indígenas" na realização das atividades de exploração mineral nas terras por eles ocupadas, o processo será encaminhado a uma "Comissão Deliberativa", sem participação indígena, que "decidirá", dentre as propostas apresentadas, "qual a melhor" para as comunidades indígenas afetadas.
4- A autorização a ser emitida pelo Congresso Nacional para a exploração mineral em terras indígenas constituir-se-á em puro formalismo jurídico-legal. A mesma se dará após já ter sido feita a escolha da "melhor proposta" e respectiva empresa mineradora.
5- A "consulta pública" da qual os indígenas "poderão participar", a escolha da "melhor proposta", a autorização do Congresso Nacional e a outorga, pelo DNPM, ao "detentor da proposta vencedora para a exploração de recursos minerais em terras indígenas" serão inócuas, pois se darão "às escuras", antes de se saber o que realmente irá ser explorado e qual a dimensão da exploração na respectiva terra indígena. Isso porque a "pesquisa de bens minerais" na respectiva área indígena será feita, pelo "outorgado", que terá até três anos para realizar mesma.
6- Nenhuma salvaguarda constitucional é respeitada pelo substitutivo. A exploração mineral poderá ocorrer em todo e qualquer espaço no interior da terra indígena. Não há qualquer referência explícita, no substitutivo, que proíba a lavra de recursos minerais incidentes sobre monumentos e locais históricos, culturais, religiosos, sagrados, de caça, de coleta, de pesca ou mesmo de moradia dos povos. Isso, como é evidente, oferece risco incalculável à sobrevivência física e cultural dos povos.
7- A mineração poderá ocorrer até mesmo em terras cujos procedimentos administrativos não estiverem conclusos. Para isso, bastará que o governo federal considere que exista na terra algum minério estratégico para a "segurança nacional" do país. Não há, no substitutivo, qualquer definição sobre o que pode ser considerado "mineral estratégico para a segurança nacional".
8- O "extrativismo mineral ou garimpagem" a ser feito por indígenas organizados em cooperativas se limitará a, no máximo, 100 hectares da respectiva terra. A multa por possíveis irregularidades cometidas pelos indígenas poderá ser de até dois milhões e quinhentos mil reais.
9- O substitutivo incentiva as empresas mineradoras a cometerem todo tipo de irregularidades no procedimento de exploração mineral em terras indígenas. Faz isso ao determinar que a multa por "infrações administrativas", inclusive no caso de descumprimento, total ou parcial, da obrigação de pagamento aos povos indígenas, não poderá ser superior a 3% do faturamento bruto da empresa mineradora no período em que tenha sido constatada a irregularidade. É notório que poderá ocorrer casos em que uma determinada irregularidade cometida tenha potencial para acarretar aumento superior a 3% no faturamento da empresa. Nesses casos, a empresa lucraria cometendo irregularidades.
O Cimi considera que não existe razão plausível que justifique a pressa incontida em colocar a matéria em discussão e votação na Câmara dos Deputados - programada para depois do 2º turno das eleições municipais. O próprio substitutivo indica que a mineração em terras indígenas será regida, inclusive, pela legislação mineral do país. Ora, é de conhecimento público que o governo brasileiro está prestes a enviar ao Congresso Nacional proposta de um novo "marco regulatório" da mineração no Brasil. Qual o sentido, então, de se discutir e aprovar uma lei que regulamenta a mineração em terras indígenas antes de se discutir e a aprovar a nova legislação mineral do país que afetará, também, a mineração em terras indígenas?
Além disso, os Artigos 176 e 231 da Constituição Federal determinam que a exploração mineral e de riquezas naturais existentes em terras indígenas somente poderá ser feita em caso de "interesse nacional" e "relevante interesse público da União, segundo o que dispuser a lei complementar". Ocorre que, no Brasil, não existe lei que disponha sobre "relevante interesse público da União", nem sobre "interesse nacional". Qual a razão, então, de se aprovar uma lei que regulamenta a exploração mineral em terras indígenas antes de definir em que condições específicas essa exploração é permitida pela Constituição? O único motivo que salta aos nossos olhos é o de se afrontar a Constituição, abrindo a possibilidade de exploração mineral, sem qualquer tipo de limite, em todas as terras indígenas do país.
O Cimi se solidariza com os povos indígenas frente a mais este cruel ataque patrocinado pelos interesses político-econômicos adversos, ao mesmo tempo em que se associa e reforça a reivindicação histórica do movimento indígena no Brasil segundo o qual o Congresso Nacional não deverá legislar, de forma fracionada, sobre temas que lhes dizem respeito.
Por fim, o Cimi se compromete a junto com os povos indígenas fazer uso de todos os meios legítimos para evitar a consumação desta mortífera ferida aos direitos consagrados e ao futuro dos povos indígenas no Brasil.
Secretariado Nacional - Cimi
Brasília, 10 de outubro de 2012

Fonte: www.cimi.org.br


Kaiowá Guarani - Decretos de extermínio

10/10/2012 | Egon Heck * Estava trabalhando na memória histórica dos últimos 40 anos, na perspectiva da reedição do documento Y Juca Pirama - "O Índio aquele que deve morrer". Em dezembro de 1973 foi dado esse grito, por bispos e missionários, contra o genocídio indígena em curso pelos governos da ditadura militar.
Enquanto buscava reunir denúncias e violências, mortes e massacres de povos indígenas nestes 40 anos, quando vejo um email, "urgente", do Conselho da Aty Guasu Kaiowá Guarani.
Ao ler o teor do comunicado, fico estarrecido e me junto ao grito dos condenados- que país é esse?"
Diante do decreto de morte e extermínio surge a obstinada determinação dos povos de viver ou morrer coletivamente, conforme suas crenças, esperanças ou desespero. Esse grito certamente fará parte do manifesto "os povos indígenas, aqueles que devem viver", apesar e contra os decretos de extermínio.
Não podemos calar ou ficar inertes diante desse clamor da comunidade Kaiowá Guarani, de Pyelito Kue/Mbarakay, no município de Iguatemi, Mato Grosso do Sul. Não se trata de um fato isolado, mas de excepcional gravidade, diante de uma decisão de morte coletiva. Continuaremos sendo desafiados por fatos semelhantes caso não se tome medidas urgentes de solução da questão da demarcação das terras indígenas desse povo.
O grito Kaiowá Guarani
" Sabemos que seremos expulsas daqui da margem do rio pela justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo/indígena histórico, decidimos meramente em ser morto coletivamente aqui. Não temos outra opção, esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de Navirai-MS." Esse é o comunicado da comunidade indígena para o Governo e Justiça Federal. "
Nos matem e enterrem coletivamente, gritam das margens do rio Hovy
"Comemos comida uma vez por dia. Tudo isso passamos dia-a-dia para recuperar o nosso território antigo Pyleito Kue/Mbarakay.
De fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo estão enterrados vários os nossos avôs e avós, bisavôs e bisavós, ali estão o cemitérios de todos nossos antepassados. Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser morto e enterrado junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação/extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais. Já aguardamos esta decisão da Justiça Federal, Assim, é para decretar a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e para enterrar-nos todos aqui. Visto que decidimos integralmente a não sairmos daqui com vida e nem morto e sabemos que não temos mais chance em sobreviver dignamente aqui em nosso território antigo, já sofremos muito e estamos todos massacrados e morrendo de modo acelerado." (Carta da comunidade 8/10/20120) Segue em anexo a íntegra da carta.
Ao tomar ciência do teor da carta dessa comunidade, Eliseu Lopes,da Aty Guasu/APIB comentou " É, isso vai se repetir muitas vezes se o governo não demarcar logo as nossas terras. Quando os nossos líderes religiosos decidem retornar aos tekoha (terras tradicionais de nossas comunidades) vão mesmo e ninguém segura. Ele lamenta profundamente se chegar a esse ponto de desespero que poderá levar a muitas mortes.
* Egon Heck - Povo Guarani Grande Povo Cimi 40 anos, 10 de outubro de 2012
Fonte: Egon Heck / Revista Missões


Papa: Concílio Vaticano II, imagem da Igreja de Jesus Cristo que abraça todo o mundo

10/10/2012 | Rádio Vaticano O jornal da Santa Sé, L'Osservatore Romano, publicou uma edição especial por ocasião do 50° aniversário de abertura do Concílio Vaticano II.
A publicação, em 40 mil exemplares, é composta por narrativas intensas do período do concílio com detalhes de crônicas pouco conhecidas e fotografias raras. Abre essa edição o texto de Bento XVI que na época era jovem e participou como teólogo.
Segue na íntegra, o texto do Santo Padre.
Foi um dia maravilhoso aquele 11 de Outubro de 1962 quando, com a entrada solene de mais de dois mil Padres conciliares na Basílica de São Pedro em Roma, se abriu o Concílio Vaticano II. Em 1931, Pio XI colocara no dia 11 de Outubro a festa da Maternidade Divina de Maria, em recordação do facto que mil e quinhentos anos antes, em 431, o Concílio de Éfeso tinha solenemente reconhecido a Maria esse título, para expressar assim a união indissolúvel de Deus e do homem em Cristo. O Papa João XXIII fixara o início do Concílio para tal dia com o fim de confiar a grande assembleia eclesial, por ele convocada, à bondade materna de Maria e ancorar firmemente o trabalho do Concílio no mistério de Jesus Cristo. Foi impressionante ver entrar os bispos provenientes de todo o mundo, de todos os povos e raças: uma imagem da Igreja de Jesus Cristo que abraça todo o mundo, na qual os povos da terra se sentem unidos na sua paz.
Foi um momento de expectativa extraordinária pelas grandes coisas que deviam acontecer. Os concílios anteriores tinham sido quase sempre convocados para uma questão concreta à qual deviam responder; desta vez, não havia um problema particular a resolver. Mas, por isso mesmo, pairava no ar um sentido de expectativa geral: o cristianismo, que construíra e plasmara o mundo ocidental, parecia perder cada vez mais a sua força eficaz. Mostrava-se cansado e parecia que o futuro fosse determinado por outros poderes espirituais. Esta percepção do cristianismo ter perdido o presente e da tarefa que daí derivava estava bem resumida pela palavra «actualização»: o cristianismo deve estar no presente para poder dar forma ao futuro. Para que pudesse voltar a ser uma força que modela o porvir, João XXIII convocara o Concílio sem lhe indicar problemas concretos ou programas. Foi esta a grandeza e ao mesmo tempo a dificuldade da tarefa que se apresentava à assembleia eclesial.
Obviamente, cada um dos episcopados aproximou-se do grande acontecimento com ideias diferentes. Alguns chegaram com uma atitude mais de expectativa em relação ao programa que devia ser desenvolvido. Foi o episcopado do centro da Europa - Bélgica, França e Alemanha - que se mostrou mais decidido nas ideias. Embora a ênfase no pormenor se desse sem dúvida a aspectos diversos, contudo havia algumas prioridades comuns. Um tema fundamental era a eclesiologia, que devia ser aprofundada sob os pontos de vista da história da salvação, trinitário e sacramental; a isto vinha juntar-se a exigência de completar a doutrina do primado do Concílio Vaticano I através duma valorização do ministério episcopal. Um tema importante para os episcopados do centro da Europa era a renovação litúrgica, que Pio XII já tinha começado a realizar. Outro ponto central posto em realce, especialmente pelo episcopado alemão, era o ecumenismo: o facto de terem suportado juntos a perseguição da parte do nazismo aproximara muito os cristãos protestantes e católicos; agora isto devia ser compreendido e levado por diante a nível de toda a Igreja. A isto acrescentava-se o ciclo temático Revelação-Escritura-Tradição-Magistério. Entre os franceses, foi sobressaindo cada vez mais o tema da relação entre a Igreja e o mundo moderno, isto é, o trabalho sobre o chamado «Esquema XIII», do qual nasceu depois a Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo. Atingia-se aqui o ponto da verdadeira expectativa suscitada pelo Concílio. A Igreja, que ainda na época barroca tinha em sentido lato plasmado o mundo, a partir do século XIX entrou de modo cada vez mais evidente numa relação negativa com a era moderna então plenamente iniciada. As coisas deviam continuar assim? Não podia a Igreja cumprir um passo positivo nos tempos novos? Por detrás da vaga expressão «mundo de hoje», encontra-se a questão da relação com a era moderna; para a esclarecer, teria sido necessário definir melhor o que era essencial e constitutivo da era moderna. Isto não foi conseguido no «Esquema XIII». Embora a Constituição pastoral exprima muitas elementos importantes para a compreensão do «mundo» e dê contribuições relevantes sobre a questão da ética cristã, no referido ponto não conseguiu oferecer um esclarecimento substancial.
Inesperadamente, o encontro com os grandes temas da era moderna não se dá na grande Constituição pastoral, mas em dois documentos menores, cuja importância só pouco a pouco se foi manifestando com a recepção do Concílio. Trata-se antes de tudo da Declaração sobre a liberdade religiosa, pedida e preparada com grande solicitude sobretudo pelo episcopado americano. A doutrina da tolerância, tal como fora pormenorizadamente elaborada por Pio XII, já não se mostrava suficiente face à evolução do pensamento filosófico e do modo se concebia como o Estado moderno. Tratava-se da liberdade de escolher e praticar a religião e também da liberdade de mudar de religião, enquanto direitos fundamentais na liberdade do homem. Pelas suas razões mais íntimas, tal concepção não podia ser alheia à fé cristã, que entrara no mundo com a pretensão de que o Estado não poderia decidir acerca da verdade nem exigir qualquer tipo de culto. A fé cristã reivindicava a liberdade para a convicção religiosa e a sua prática no culto, sem com isto violar o direito do Estado no seu próprio ordenamento: os cristãos rezavam pelo imperador, mas não o adoravam. Sob este ponto de vista, pode-se afirmar que o cristianismo, com o seu nascimento, trouxe ao mundo o princípio da liberdade de religião. Todavia a interpretação deste direito à liberdade no contexto do pensamento moderno ainda era difícil, porque podia parecer que a versão moderna da liberdade de religião pressupusesse a inacessibilidade da verdade ao homem e, consequentemente, deslocasse a religião do seu fundamento para a esfera do subjectivo. Certamente foi providencial que, treze anos depois da conclusão do Concílio, tivesse chegado o Papa João Paulo II de um país onde a liberdade de religião era contestada pelo marxismo, ou seja, a partir duma forma particular de filosofia estatal moderna. O Papa vinha quase duma situação que se parecia com a da Igreja antiga, de modo que se tornou de novo visível o íntimo ordenamento da fé ao tema da liberdade, sobretudo a liberdade de religião e de culto.
O segundo documento, que se havia de revelar depois importante para o encontro da Igreja com a era moderna, nasceu quase por acaso e cresceu com sucessivos estratos. Refiro-me à declaração Nostra aetate, sobre as relações da Igreja com as religiões não-cristãs. Inicialmente havia a intenção de preparar uma declaração sobre as relações entre a Igreja e o judaísmo - um texto que se tornou intrinsecamente necessário depois dos horrores do Holocausto (shoah). Os Padres conciliares dos países árabes não se opuseram a tal texto, mas explicaram que se se queria falar do judaísmo, então era preciso dedicar também algumas palavras ao islamismo. Quanta razão tivessem a este respeito, só pouco a pouco o fomos compreendendo no ocidente. Por fim cresceu a intuição de que era justo falar também doutras duas grandes religiões - o hinduísmo e o budismo - bem como do tema da religião em geral. A isto se juntou depois espontaneamente uma breve instrução relativa ao diálogo e à colaboração com as religiões, cujos valores espirituais, morais e socioculturais deviam ser reconhecidos, conservados e promovidos (cf. n. 2). Assim, num documento específico e extraordinariamente denso, inaugurou-se um tema cuja importância na época ainda não era previsível. Vão-se tornando cada vez mais evidentes tanto a tarefa que o mesmo implica como a fadiga ainda necessária para tudo distinguir, esclarecer e compreender. No processo de recepção activa, foi pouco a pouco surgindo também uma debilidade deste texto em si extraordinário: só fala da religião na sua feição positiva e ignora as formas doentias e falsificadas de religião, que têm, do ponto de vista histórico e teológico um vasto alcance; por isso, desde o início, a fé cristã foi muito crítica em relação à religião, tanto no próprio seio como no mundo exterior.
Se, ao início do Concílio, tinham prevalecido os episcopados do centro da Europa com os seus teólogos, nas sucessivas fases conciliares o leque do trabalho e da responsabilidade comuns foi-se alargando cada vez mais. Os bispos reconheciam-se aprendizes na escola do Espírito Santo e na escola da colaboração recíproca, mas foi precisamente assim que se reconheceram servos da Palavra de Deus que vivem e trabalham na fé. Os Padres conciliares não podiam nem queriam criar uma Igreja nova, diversa. Não tinham o mandato nem o encargo para o fazer: eram Padres do Concílio com uma voz e um direito de decisão só enquanto bispos, quer dizer em virtude do sacramento e na Igreja sacramental. Então não podiam nem queriam criar uma fé diversa ou uma Igreja nova, mas compreendê-las a ambas de modo mais profundo e, consequentemente, «renová-las» de verdade. Por isso, uma hermenêutica da ruptura é absurda, contrária ao espírito e à vontade dos Padres conciliares.
No Cardeal Frings, tive um «pai» que viveu de modo exemplar este espírito do Concílio. Era um homem de significativa abertura e grandeza, mas sabia também que só a fé guia para se fazer ao largo, para aquele horizonte amplo que resta impedido ao espírito positivista. É esta fé que queria servir com o mandato recebido através do sacramento da ordenação episcopal. Não posso deixar de lhe estar sempre grato por me ter trazido - a mim, o professor mais jovem da Faculdade teológica católica da universidade de Bonn - como seu consultor na grande assembleia da Igreja, permitindo que eu estivesse presente nesta escola e percorresse do interior o caminho do Concílio. Este livro reúne os diversos escritos, com os quais pedi a palavra naquela escola; trata-se de pedidos de palavra totalmente fragmentários, dos quais transparece o próprio processo de aprendizagem que o Concílio e a sua recepção significaram e ainda significam para mim. Em todo o caso espero que estes vários contributos, com todos os seus limites, possam no seu conjunto ajudar a compreender melhor o Concílio e a traduzi-lo numa justa vida eclesial. Agradeço sentidamente ao arcebispo Gerhard Ludwig Müller e aos colaboradores do Institut Papst Benedikt XVI pelo extraordinário compromisso que assumiram para realizar este livro.
Castel Gandolfo, na memória do bispo Santo Eusébio de Vercelas, 2 de agosto de 2012.
Fonte: www.cnbb.org.br


Líder da Igreja Anglicana destaca potencial humanizador da fé cristã

11/10/2012 | OC
Cidade do Vaticano, 11 out 2012 (Ecclesia) - O arcebispo da Cantuária (Inglaterra) e líder da Igreja Anglicana marcou presença no Sínodo dos Bispos que decorre no Vaticano e pediu aos participantes católicos que destaquem o potencial da fé cristã para uma vida "mais humana".
Rowan Williams, um dos convidados deste evento, defendeu que a sociedade espera por esta mensagem que ajude a viver "com a consciência de que existe uma alegria sadia e duradoura".
"Temos de vigiar com atenção para que a nossa evangelização não seja simplesmente um modo de persuadir as pessoas a aplicar a Deus e à vida do espírito todos os desejos de dramatismo, de agitação e autocomplacência que muitas vezes nos acompanham na vida quotidiana", observou, numa intervenção pronunciada perante os mais de 260 prelados da assembleia sinodal, esta quarta-feira.
O responsável anglicano sublinhou que as iniciativas destinadas a quem se afastou da Igreja ou ao "público pós-cristão" devem ser fundadas numa "práxis contemplativa partilhada de forma ecuménica".
"A contemplação representa a única resposta definitiva ao mundo irreal e louco que os nossos sistemas financeiras, a nossa cultura publicitária e as nossas emoções caóticas e incontroladas nos convidam a habitar", prosseguiu.
A 13ª assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos, um organismo consultivo convocado pelo Papa, tem como tema ‘A nova evangelização para a transmissão da fé cristã'.
"A evangelização, seja nova ou velha, deve enraizar-se numa profunda confiança de que todos nós temos um destino humano específico a mostrar e partilhar com o mundo", afirmou Rowan Williams.
O Sínodo decorre desde domingo e insere-se no programa das celebrações do 50.º aniversário do Vaticano II (1962-1965).
O arcebispo da Cantuária confessou que para muitos da sua geração, fora das fronteiras da Igreja Católica, o Concílio "representou o sinal de uma grande promessa" num momento em que se procurava "partilhar o Evangelho com o espírito complexo, muitas vezes rebelde, sempre inquieto, do mundo moderno".
"O rosto que temos de mostrar ao nosso mundo é o rosto de uma humanidade em incessante crescimento rumo ao amor", declarou.
Rowan Williams elogiou o trabalho de "grandes redes espirituais" como a comunidade católica de Santo Egídio ou os movimentos dos Focolares e o Comunhão e Libertação, "abertos a uma visão humana mais profunda" porque oferecem "uma disciplina de vida pessoal e comum" destinada à descoberta de Jesus Cristo.
O 104.º arcebispo da Cantuária, teólogo e poeta, vai deixar o cargo no final de 2012 para se dedicar à vida académica.
Williams encontrou-se em privado com Bento XVI, no Vaticano, antes da sua intervenção no Sínodo.
Fonte: Agência Ecclesia


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Sínodo: Terra Santa, Doutrina Social da Igreja e devoção popular no centro dos pronunciamentos


Cidade do Vaticano (RV) - A nova evangelização deve partir de novo de Jerusalém: é o que afirma o Sínodo dos Bispos em andamento no Vaticano, reiterando que as peregrinações à Terra Santa são uma ocasião para reforçar a fé. Estiveram no centro dos trabalhos da manhã deste sábado também a questão da Ilva de Taranto (a maior siderúrgica da Europa) – localizada na região italiana da Puglia, e a promoção da Doutrina Social da Igreja.

Para ser moderna e eficaz, a nova evangelização deve partir de novo da Terra Santa, memória coletiva viva da história de Jesus: abriram-se assim os trabalhos sinodais deste sábado.

Os bispos recordaram as ofensas e as agressões que os lugares sagrados sofrem, falaram em Igreja do calvário, invocaram o diálogo baseado no respeito recíproco e fizeram apelo à fé que abate muros e constrói pontes, pedindo ao mundo que não esqueça o Oriente Médio, e aos cristãos que não tenham medo. Porque a fé não é uma pertença a uma facção ideológica que leva à violência, mas ajuda a sentir-se irmãos uns dos outros.

Em seguida, o drama da Ilva de Taranto irrompeu na Sala do Sínodo (situação que nestes meses tem repercutido na mídia italiana, e não somente): a Igreja não oferece soluções, mas proximidade a quem sofre os efeitos poluidores e desastrosos da fábrica siderúrgica, afirmam os prelados.

Milhares de pessoas correm o risco de perder o trabalho, muitas outras encontram-se doentes com tumores. E o que emerge é uma crise humana e social do atual e injusto modelo de desenvolvimento econômico.

A ganância e a avidez, ressalta o Sínodo, romperam os laços entre a economia e a dimensão social da vida humana, provocando uma profunda fratura. Nessa ótica, a Assembléia dos bispos reitera a importância da Doutrina Social da Igreja, elemento essencial de evangelização, porque o anúncio de Cristo é o fator principal de desenvolvimento, da justiça e da paz.

Não se trata de transformar a Igreja numa instituição de serviços sociais, afirmam os Padres sinodais, mas de promover uma cultura da solidariedade e da fraternidade. Relançar a dignidade humana e promover valores democráticos significa colocar-se no seguimento de Jesus, afirma o Sínodo.

Dentre outros temas abordados destaca-se o da piedade popular: purificada e conduzida no modo justo, ela é expressão de fé sincera e testemunha perenemente a sede de Deus presente no coração do homem, contribuindo assim para a nova evangelização. Porque o coração do homem é feito para o infinito e somente o encontro com que mudou realmente a própria vida graças a Cristo pode responder às expectativas.

Em seguida, o Sínodo voltou a examinar o desafio de evangelizar o mundo midiático atual: a sociedade atual não é mais mass-midiática, mas bio-midiática, porque os meios de comunicação de massa invadiram de tal forma a vida do homem, de modo a mudar o seu desenvolvimento antropológico, afirmam os Padres sinodais.

Daí, o convite a fim de que a Igreja saiba comunicar proximidade, relação, amizade com as pessoas em sua singularidade – quais destinatárias do amor de Deus.

Por fim, o grande tema da relação entre fé e razão: se não se compreende a sua complementaridade, os cristãos acabarão por se sentirem inferiores à modernidade ou atrasados em relação à história, observam os bispos. Ao invés, os cristãos devem ter consciência da dimensão cultural da fé e dar razão da própria esperança. (RL) (Fonte: Rádio Vaticano)
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Superior jesuíta: "Igreja subestimou povos não-ocidentais"


Cidade do Vaticano (RV) – No passado, os cristãos e a Igreja procuraram demais “as manifestações ocidentais da fé e da santidade”, deixando de lado “o modo em que Deus atuou junto aos outros povos”. Foi o que disse em seu pronunciamento no Sínodo dos Bispos o Superior dos Jesuítas, Pe. Adolfo Nicolas.

“A Nova Evangelização deve aprender os aspectos bons e os menos bons da Primeira Evangelização” – recordou o prepósito da Companhia de Jesus aos padres sinodais. Fazendo uma autocrítica, Padre Nicolas acrescentou: “nós, missionários, não enriquecemos a Igreja Universal como ela esperava de nós. E todos nós ficamos mais pobres; perdemos de vista indícios, perspectivas e descobertas importantes”.

“O passado nos ensina como comunicar hoje o Evangelho: no caminho da humildade, na consciência dos limites humanos quando se trata de expressar o Espírito, a simplicidade da mensagem, a generosidade e a alegria ao reconhecer a bondade e a santidade, a nossa vida como fator de credibilidade, de perdão e de Reconciliação, a mensagem da Cruz na negação de nós mesmos” – concluiu o Prepósito, falando na sessão da última quarta-feira.
(CM) (Rádio Vaticano)